Coronel Cruz Fernandes – Uma notável história de vida (2)


Cap. II – Missão em Moçambique (Junho de 1970 a Setembro de 1974)

1. Viagem

O ano de 1970 foi aquele em que o Comando das Transmissões passou de Lourenço Marques para Nampula. Isto deu-se por arrastamento do Comando-Chefe das Forças de Moçambique que, na mesma época, se transferiu para Nampula.

As nomeações de pessoal graduado de transmissões eram individuais, feitas rendição homem a homem e os transportes quase sempre feitos de navio. Embarquei no paquete Angola, o qual cruzou no Golfo da Guiné, sob uma diluviana tempestade tropical, com o paquete Infante D. Henrique, no qual viajava de regresso de uma comissão a Angola, o ten-cor Vargas.

Algum tempo antes de mim tinha embarcado o capitão Fernando Homero Cardoso Figueira, também com destino a Nampula para rendição individual, destinado à companhia de transmissões de campanha, enquanto que eu saí de Lisboa com destino ao STM.

Desembarque em Lourenço Marques

Desembarquei em Lourenço Marques pelos fins de Junho de 1970. Aguardou-me e orientou-me o capitão Oliveira Pinto, enquanto não recebi guia de Marcha para Nampula.

Apercebi-me que se efectuavam preparativos de mudanças de material nas quais estava envolvido o capitão Cruzinha Soares.

Nampula

Desembarcado em Nampula, de avião, fui colocado no Batalhão de Transmissões 2, comandado pelo ten-coronel Simões (Bifuca), tendo como 2.º Comandante o major Garrido Baptista, que dividia as suas funções entre o Comando das Transmissões no QG/RMM e o Batalhão. No QG/RMM estava ainda o coronel João do Rio, que regressou passado pouco tempo à Metrópole.

Fig4 - Assim era eu

Fig4 – Assim era eu

Nesta data, Jun/Jul de 1970, Nampula estava serena, mas em Cabo Delgado decorria a maior operação militar conjunta levada a cabo em Moçambique, durante todo o período de guerra de libertação.

Poucos dias depois da minha chegada houve reunião de comando de Batalhão. Aí se ficou a saber que enquanto percorríamos a distância Lisboa-Nampula, o meu destino e o do capitão Figueira tinham sido trocados. O major Garrido Baptista, que nos conhecia a ambos de Lisboa onde tinha sido Director de Instrução do nosso estágio pós-graduação, entendeu que as minhas características pessoais apontavam mais no sentido operacional, enquanto que as do capitão Figueira apontavam mais para as Transmissões Permanentes.

Eu, que saíra de Lisboa para o STM, vi-me comandante da Companhia de Transmissões, da Companhia de Instrução e, de vez em quando, da CCS também. Além disso, depois do regresso do major Falcão à Metrópole, também passou para mim a chefia da Secção Técnica da unidade. Por sua vez, o capitão Figueira ficou com o STM.

No Batalhão, mas com funções de Presidente do Conselho Administrativo e chefe da Secção Técnica estava o major Falcão.

Na Companhia de Reabastecimento e Manutenção de Material de Transmissões estava o major Carvalho, que comandava, e o capitão Birrento?

Enquanto o Batalhão ainda estava a assentar arraiais, tive contacto, pela primeira vez, com o major Pereira Pinto, chegado da Operação “Nó Górdio”, que decorrera em Cabo Delgado, mas que estava em retirada. O major Pereira Pinto, conforme apareceu assim desapareceu, por ter terminado a sua missão. Lembro-me que exibia e manipulava um documento “Normas Técnicas de Transmissões” por ele elaboradas para suporte e orientação doutrinária na grande operação de onde chegara.

2. Situação no BTm2 na segunda metade de 1970

O BTm não tinha ainda Porta de Armas, nem arranjos internos de paradas e passeios. Era constituído por quatro terraplenos e algumas rampas de passagem de uns para os outros.

A Porte de Armas estava no terrapleno que continha o edifício da Casa da Guarda, da Companhia de Instrução e da Secção técnica. Entrando, logo à direita uma rampa dava para a plataforma do Edifício do Comando.

Da Porta de Armas, seguindo em frente, outra rampa dava acesso à parada principal. Esta tinha, à esquerda, no primeiro bloco, a Companhia de Transmissões e o STM. No mesmo alinhamento, mas distanciado deste bloco, encontrava-se o edifício do Centro Receptor.

Do lado direito, logo ao cimo da rampa e fazendo ângulo recto com o alinhamento do bloco de Transmissões, situava-se a Companhia CCS. Ao fundo do terrapleno face a face com a CCS situava-se o Refeitório.

Externamente, o BTm2 tinha vedação com a CRMMTm e pelo lado da Porta de Armas. Tudo o resto era aberto para as machambas e para o mato.

Perante a situação, cada um começou a orientar as suas actividades conforme podia, para o desempenho de funções e melhoria das condições de internas do BTm2.

Um oficial que deixou uma marca de qualidade

Havia entre nós um oficial muito rigoroso e exigente, em termos de qualidade de execução. Era o major Garrido Baptista. Com o seu ar de gozo e atitude grande senhor, este oficial tinha de facto uma escola única em termos de padrão de qualidade, que exigia em tudo em que punha as mãos. Devo-lhe nesta fase muita orientação, mas acima de tudo a escola de saber fazer bem.

Deve-se-lhe, entre muitas coisas, a concepção de moldes para a execução dos lancis de separação dos passeios das paradas, com a criação de faixas relvadas para absorção das poeiras. Estes moldes estavam feitos de modo que apenas dois soldados eram suficientes para fazer todo o trabalho, ficando este com um aspecto final como se o lancil completo tivesse sido feito de uma única betonagem.

Deve-se-lhe ainda a transformação de uma sala vazia e desprovida de qualquer conforto, no bar de oficiais mais badalado de Nampula.

Este oficial, a quem nunca foi feita justiça e teve o azar de comandar para fim da sua comissão alguns oficiais medíocres que, depois, foram ouvidos numa fase paranóica pós 25 de Abril, era considerado em Nampula e na “Província” como um engenheiro competente e muito solicitado. Das suas mãos saíram vários trabalhos, nos quais colaborei a seu pedido, alguns deles ordenados pelo Comando-Chefe, como o Centro de TV para propaganda e expansão da APSIC no Norte de Moçambique “Operação Fronteira”, a passagem de nível da linha de caminho-de-ferro junto ao aeroporto de Nampula e muitos outros para os quais era ouvido pelo Secretário Provincial das Obras Públicas, de quem era conselheiro.

Enquanto que Garrido Baptista cuidava, no part-time que passava no Batalhão, no seu arranjo interno, o major Falcão foi encarregado de prover à vedação pelo Sul, Nascente e Poente, uma vez que apenas pelo Norte confinava com a CRMMTm.

Ao capitão Figueira, como já disse, foi-lhe entregue o STM, de que me ocuparei depois.

Quanto a mim foi-me entregue a Companhia de Transmissões e a Companhia de Instrução, logo desde início. Depois acumulei com a CCS, quando o alferes Santana, que a comandava, foi nomeado para a operação de Tete. Com o regresso da major Falcão à Metrópole, passei a chefiar a Secção Técnica.

3. Companhia de Transmissões

A CTm, não existia como tal, porque parte do material estava ainda em Lourenço Marques e a outra parte estava envolvida no “Nó Górdio”.

O pessoal foi entretanto chegando e começou a formação da companhia.

A disciplina era muito difícil de manter, não digo a disciplina militar nas relações de comando, mas a disciplina de controlo de movimentos. Com a unidade escancarada por três lados, quem podia garantir que a seguir ao recolher a nossa tropa não se espraiasse pelas machambas, onde o aconchego das nativas sempre ajudava a esquecer as saudades das noivas que esperavam na Metrópole? Uma vez, numa ronda de improviso pela machamba dentro, foi possível recuperar meia dúzia de beliches militares que para aí tinham sido carregados em operações silenciosas nocturnas.

Lidando com estas contingências lá se foi formando a Unidade que dois anos depois se orgulhava de ser a mais aprumada da guarnição e que contava com um dos recordes mais baixo de castigos, praticamente nenhuns.

Com um comandante, general Kaúlza de Arriaga, que privilegiava as operações e os exercícios de Estado-Maior e com um segundo comandante de Batalhão – major Garrido Baptista – a sobrevivência do comandante da CTm do Comando dependia da prontidão operacional, predicado que em Moçambique era por esta altura levado ao extremo.

Havia três elementos mágicos a que o comandante da CTm tinha de responder, nos briefings do QG/RMM, aos quais Kaúlza de Arriaga presidia:

– Dimensão máxima da maior carga individual a transportar;

– Peso da maior carga, não desmontável;

– Peso total da carga a transportar e resposta na hora.

O general Kaúlza de Arriaga podia mandar planear uma operação que não tinha intenção de executar ou uma operação para Cabo Delgado hoje e outra para Tete amanhã, a mais de mil quilómetros de distância da primeira.

Era preciso responder com que frequências, com que antenas, com que baterias, com que rádios, com que mastros, mas tudo isto durante os briefings, aos quais assistia o major Garrido Baptista. Este oficial fazia gala de na frente de todos a partir de dada altura ter saídas destas: Meu general, as Transmissões respondem dentro de 15 minutos e, pelo telefone, ordenar que lhe desse resposta.

Um percurso trabalhoso

Respostas como a que se requeria acima não podiam ser dadas logo no início porque trabalhos preparatórios nos aguardavam.

Ao tomar o comando da CTm, apercebi-me que em Moçambique não havia partilha civil/militar de frequências. A banda militar, que em Portugal era respeitada, estava em Moçambique pejada das mais variadas actividades. Era terrivelmente arriscado planear uma operação e, ao entrar em acção, verificar que as frequências escolhidas estavam activas, muitas vezes por sinais mais fortes do que os nossos.

Como se não bastasse, algumas unidades a quem era distribuído o AN/GRC-9 com determinados naipes de cristais, queixavam-se de que os mesmos não trabalhavam nas frequências que os cristais indicavam e, portanto, não faziam rede entre si. Em consequência disso muitas vezes ficavam por fazer ligações vitais, tais como eram as de socorro e salvamento de baixas em combate.

Havia, pois, que resolver previamente estes dois problemas, vitais para a operacionalidade da CTm, antes de a poder considerar em condições de cumprir bem a sua missão.

Varrimento do espectro

Descobrir na banda de trabalho (3 a 30 MHz) frequências disponíveis, isto é, desocupadas, só seria possível montando um processo de busca e varrimento continuo de modo a verificar estatisticamente quais as frequências disponíveis e em que percentagem de tempo.

Para o conseguir, promovi a montagem de um Centro de Escuta 24/24 horas, com varrimento de toda a banda de frequências e passagem pela mesma frequência de 15 em 15 minutos, com registo de ocupado ou desocupado. Antes disso, a banda de 3 a 30 MHz foi dividida em intervalos de 3KHz e inscrita em folhas que no seu conjunto cobriam a banda.

Ao fim de algumas semanas já se dispunha de uma imagem muito aproximada de ocupação do espectro e consequentemente das zonas onde podíamos encaixar as frequências das nossas redes.

As folhas eram incluídas num manual que ficava disponível no Centro de Escuta. De posse do manual e sabida a distância de Nampula à zona onde a operação teria lugar fácil era, por simples consulta, escolher as frequências desocupadas e os naipes de cristais que se lhes ajustavam.

Cristais

Com a idade os cristais envelhecem e a frequência de oscilação aumenta. Cristais com a mesma frequência de ressonâncias mas com idades diferentes oscilam em frequências diferentes. Assim sendo, cristais com a mesma frequência nominal de trabalho podem não entram em rede entre si. Era o que nos estava a acontecer.

Para remediar este percalço, foi preciso testar todos os cristais existentes em stock, distribuí-los na frente de combate, escolher os que aí estavam e testá-los também, reagrupando uns e outros segundo as actuais frequências de ressonância e não segundo aquelas que neles vinham indicadas.

Neste trabalho contei com a ajuda de um colega do IST, que na altura cumpria serviço militar em Nampula – o alferes Themudo de Castro, o qual por razões psíquicas, foi recolhido passado algum tempo. É justo porém, destacar o seu trabalho enquanto esteve presente. Voltarei a falar dele.

Para as escutas contei com os Receptores Plessey, de sintonia contínua entre 300 Kc/s e 30 Mc/s, aparelhos que fizeram um excelente trabalho e já tinham sido empregues com sucesso na GE em Lisboa.

As praças de Transmissões foram divididas em turnos, chefiadas por sargentos e posicionadas em operações de escuta em turnos contínuos de três posições.

O trabalho de reagrupamento dos cristais beneficiou de uma montagem que incluía um osciloscópio para leitura directa da frequência de saída do AN/GRC-9 e portanto a de oscilação do cristal. Colocado o cristal no equipamento esperava-se que a frequência medida fosse a que o cristal indicava. Quando o não era o cristal era reclassificado na frequência em que realmente oscilava.

Pesagens e medidas

Para responder por completo à questão da carga total, peso e dimensões do material de cada missão exigidas pelos planeadores de transportes do EM/QG/RMM, foi preciso medir e pesar os equipamentos de transmissões.

Fez-se depois um Manual de Operação do qual constavam por ordem alfabética todos os itens com as suas características físicas (peso, dimensão, volume).

Chegado aqui, estava em condições de responder em 15 minutos ao major Garrido Baptista como era seu compromisso perante o comando, com destaque para compromisso de assegurar a ligação à retaguarda.

Assim:» Missão» Distância a Nampula» Frequências» Equipamentos» Mastros» Antenas» Baterias/Geradores» Maior dimensão» Maior carga individual» Carga Total.

Com a entrada ao serviço do RF-301 de sintonia contínua e cobrindo a banda entre os 3 e os 30 Mc/s, as condições operacionais melhoraram grandemente.

4. Um local para o centro de Transmissões de Nampula

Dada a experiência que tinha adquirido no Centro receptor do CTT, em Barcarena, onde por requisição dos CTT trabalhei em parte-time entre 1967, ano da minha licenciatura, e 1970, ano da mobilização, foi possível aperceber-me que o local do COFI-Nampula era pouco adequado para Centro Receptor/Transmissor de ligação ao Comando Avançado das Forças de Intervenção.

Fig5 - Posto Dardo ou "Vietname"

Fig5 – Posto Dardo ou “Vietname”

Procedi, com equipamentos emprestados pelos CTT, onde o eng.º Guimarães era o chefe, à medição de recepção de sinais em vários pontos de Nampula para emissões de Vila Cabral, Mueda e Tete. Verifiquei que havia uma melhoria de mais de 6 db em relação ao COFI, justamente nuns terrenos devolutos existentes fora do Regimento de Serviço de Material, nas traseiras do QG/RMM.

Por proposta minha foi decidido montar aí o Centro de transmissões de Campanha o qual, em pouco tempo permitia a escuta de todas as nossas comunicações de HF (das tropas portuguesas), onde quer que actuassem em território de Moçambique.

RF-301 e o apoio anónimo

Com uma potência de saída de 100W, em toda a banda entre os 3 e os 30 Mc/s era possível socorrer companhias e pelotões em aflição nas diversas linhas da frente que, embora relativamente perto das suas unidades de apoio, estas os não podiam ouvir por estarem aquém da distância de salto e, portanto, na zona de silêncio (skip zone).

Nós, que estávamos longe, podíamos ouvir uns e outros. Ao ouvirmos os apelos, fazíamos de relé e chamando os destinatários e informando-os do que se estava a passar. Recebíamos as respostas e repetíamo-las para o remetente, acompanhando ainda algumas vezes o diálogo de socorro até à entrada em contacto do socorrista com o socorrido. Muitos de nós salvamos situações difíceis e nem sequer sabemos a quem o fizemos.

Nos primeiros tempos e devido à inexistência do material adequado para o que pretendíamos fazer, tive de ser eu a operar os meios e a ensinar aos furriéis os truques que permitiam mesmo assim garantir as comunicações de interligação entre entidades servidas pelos meios fixos (telefones da rede de Nampula e outras) e pelas móveis (servidas pelos meios rádio das unidades da frente). Mesmo sem equipamentos de comunicações adequados conseguia-se estabelecer ligações e garantir comunicação entre entidades destas diferentes redes, quase sem que estas se apercebessem de que estavam a ser servidas por meios tão rudimentares como aqueles de que dispúnhamos.

A coisa ganhou tal eficiência que o Comandante do BTm2 baptizou as instalações de “Vietname do Cruz Fernandes” e fazia gala de espalhar pela oficialidade da guarnição que já não havia no território de Moçambique sítio onde “ele” não chegasse.

E o nome deste Posto de Comando chegou de facto tão longe e a ser tão conhecido que quatro anos depois, quando um delegado da Frelimo foi recebido em Nampula, um dos primeiros pedidos que fez foi se podia saber onde era o Centro de Operações DARDO. Dardo era o indicativo deste Posto Director e Macaco Velho o meu próprio indicativo.

Vinte anos depois voltei a Nampula na missão de Paz ONUMOZ e quis visitar em romagem de saudade este local de onde partiu tanta ajuda a camaradas em aflições, mas toda a área é hoje de acesso expressamente proibido.

Como funcionava o Vietname

Os equipamentos estavam encerrados em três viaturas cobertas e o pessoal dormia em tendas de campanha. O Posto estava guarnecido 24 horas por dia todos os dias do ano.

Cobria duas faixas de frequências, uma que ia dos 3 aos 30 Mc/s com o RF-301 e outra para meios aéreos, que se estendia para lá dos 300Mc/s

Para a faixa dos 3 aos 30Mc/s foi montado um sistema constituído por Três Dipolos Dobrados de 600 Ohms de impedância de carga, montados em triângulo equilátero, radiando de modo que os eixos dos lobos de maior potência passavam respectivamente por Cabo Delgado (Mueda), Tete e Lourenço Marques.

A distância de salto podia variar-se fazendo variar a distância dos dipolos ao solo e a frequência de modo que conforme a hora assim se podia garantir haver sempre uma conjugação óptima para cada ligação.

Convém notar que para estas distâncias havia todos os dias 15 minutos de manhã e outros 15 à noite durante nos quais não era possível qualquer ligação, devido à transição brusca da ionização da ionosfera nos momentos do nascer e do pôr-do-sol.

As baixadas dos dipolos terminavam em fichas num painel no interior da viatura de operação, a qualquer das quais podia ser ligado o equipamento RF-301. Tornavam-se assim intermutáveis e permitiam com a simples troca de ficha passar para uma ligação de Cabo Delgado para Lourenço Marques ou Tete e vice-versa.

Ao fim de algum tempo todo o espaço de Moçambique estava aferido e em condições de cobertura e vigilância.

Um conjunto de antenas funcionando acima dos 30Mc/s foram montadas de modo semelhante e permitiam também transpor o sinal de uma rede de campanha para a outra ou fazer a integração rádio-fio, como os operacionais das armas gostavam de dizer.

Dentro do mesmo espaço existiam ainda geradores de campanha adaptados a arrancar automaticamente por falta de corrente da rede e tomar a carga do centro.

Existia também uma pequena central telefónica militar-civil que permitia tornar mais fácil a integração rádio-fio. O Comandante-Chefe serviu-se dela para se ligar para diferentes locais dentro de Moçambique com entidades de uma lista selecta, quer estivesse em Nampula e o correspondente fora, quer ao contrário.

Os Híbridos

Nos primeiros tempos só se conseguiam chamadas telefónicas através deste posto usando um truque de operação ou artifício técnico. O artifício resultava da necessidade de passar as ligações a quatro fios para ligações a dois fios e não se dispor de equipamento adequado que tornasse a operação automática.

Quando se fala ao telefone o par que leva o que se diz é o mesmo que traz o que se escuta.

No telefone esta dificuldade está resolvida tecnicamente porque os telefones têm uma ponte de Wheatstone que realiza esta operação sem darmos por isso.

Numa comunicação rádio é preciso carregar na palheta do microfone para emitir e libertá-la para receber.

Esta operação era conseguida sem híbrido entre um utente em Nampula e outro em Mueda, por exemplo, utilizando o alto-falante monitor do RF-301 e proceder do seguinte modo:

– Chamava-se pela rádio o destinatário e punha-se em linha;

– Chamava-se Nampula pelo telefone, punha-se em linha também, e dizendo: “Nampula pode falar”. Nesse momento premia-se a palheta do microfone e punha-se Nampula em emissão, monitorando a conversa pelo alto-falante do rádio de modo que, quando Nampula terminasse, libertava-se a palheta, o rádio passava a recepção e dava-se a vez à resposta de Mueda.

Por estranho que possa parecer, este foi modo como muitas mães ouviram os seus filhos espalhados pelas terras distantes de Moçambique, no Batalhão de Telegrafistas em Lisboa, naquilo que ficou para a História como ”Hora da Saudade”. Isto já aconteceu em 1971, depois de interligados o Centro Emissor na Represa com o Centro Receptor no BTm2. Voltarei a falar desta ligação.

A forma artesanal aqui descrita, que resulta de numa tremenda escassez de material suprida por uma boa formação técnica dos quadros de transmissões, foi posteriormente eliminada.

Numa das reuniões matinais com o comandante, Francisco Simões, referi os malabarismos a que era preciso recorrer para suprir com Saber o que faltava em meios técnicos “ híbridos” para cumprir a missão. O Comandante piscou um olho, arregalou o outro e disse: “Espera aí, híbridos há-os em Lourenço Marques”. Havia de facto híbridos, eram onze equipamentos, e serviam perfeitamente. A partir daí deixou de ser preciso assistir às chamadas para carregar na palheta.

5. Ligação a Lisboa

Anda me encontrava em Portugal a comandar a companhia TPF quando surgiu de Moçambique o pedido de aquisição e envio de um cabo telefónico de 25 quadras, 0,9mm2, blindado e auto-suportado. Feita a aquisição, o mesmo foi enviado para o destino na segunda metade de 1968.

Ao chegar a Nampula reconheci as onze bobinas amontoadas na parada principal do quartel, cuja madeira tinha já quase desaparecido, devorada pela formiga salalé. Felizmente os bichos não apreciam o plástico e por isso os cabos estavam intactos.

O capitão Alcides de Oliveira, rendido pelo capitão Figueira, tinha-se declarado impreparado para levar por diante o trabalho que faltava fazer, que era a ligação entre o Centro Receptor (BTm2) e o Centro Emissor (Represa), distanciados um do outro de 11 quilómetros.

Percurso

Em abono da verdade a obra era própria para uma empresa especializada, luxo a que não podíamos aspirar.

O cabo tinha de atravessar toda a cidade por cima da rede de baixa tensão. Esta rede de energia era em fio nu e estava à cota mínima exigida por lei. Logo, tudo que cruzasse com ela tinha de passar por cima. Além disso o seu percurso tinha de ser obrigatoriamente feito com travessia da estação de caminho-de-ferro, num ponto em o número de linhas obrigava a ter apoios dentro da própria estação, onde havia sempre movimentos de composições.

Fig6 - Emenda do cabo autosuportado

Fig6 – Emenda do cabo autosuportado

A somar a esta complicação, o percurso em campo aberto tinha de ser obrigatoriamente feito bordejando a picada que de Nampula conduzia à Represa. Ora, também se sabia que esta era a berma onde corria enterrada a tubagem, de material frágil, que trazia a água da Represa para a cidade e que qualquer dano nesta estrutura tinha consequências dramáticas. Pela outra berma corria a linha de alta tensão que alimentava os motores de bombagem de água da Represa para a cidade.

Estava fora de questão cortar árvores para alinhamentos dos postes, porque o assunto se tinha tornado de grande sensibilidade social. Manobrar com um cabo pesado para o fazer passar por cima da rede de baixa tensão, com esta em carga era demasiado arriscado. Cortar a energia para fazer os trabalhos era inaceitável.

Dados técnicos

Do ponto de vista técnico, a situação era a seguinte:

– Cada suspensor do cabo auto-suportado era constituído por um conjunto de 21 peças (porcas, placas, parafusos e anilhas) que não havia à venda em Moçambique;

– Postes de apoio em betão não se fabricavam para venda em Moçambique. Os que havia eram de casuarina e só uma empresa da Beira os fornecia, à razão de 6 por mês: como eram precisos 210 postes, estava fora de questão optar por esta solução.

Do ponto de vista técnico, o afastamento de 11km entre o Centro Emissor e o Centro Receptor justifica-se, para que não se forme loop magnético durante a transmissão (diversidade de espaço). Em Lisboa este assunto tinha sido resolvido pela colocação do Centro Emissor na Encarnação e o Centro Receptor em Alcochete, mas em Nampula estava por resolver.

Do ponto de vista orgânico este assunto era do STM, visto que o cabo se destinava ao suporte do sinal na sua transmissão para Lisboa, Lourenço Marques etc.

Os Briefings matinais

Num dos briefings matinais, estando presentes o Comandante, o capitão Figueira e eu próprio, o Comandante Simões trouxe à baila o cabo auto- suportado porque de Lisboa cresciam as insistências, e, em Moçambique, Kaúlza de Arriaga não queria ficar atrás de Spínola que, na Guiné, já tinha ligação a Lisboa.

Analisada a questão, o capitão Figueira – penso que baseado nos dados que expus -, terá analisado as dificuldades e concluiu que as Transmissões não dispunham de meios para, de per si, resolver o problema.

O Comandante descartou a resposta, virou-se para mim e perguntou o que pensava eu.

Tomando a pergunta como apenas destinada a obter um parecer, respondi que era um trabalho difícil, no limite do possível, mas possível. O Comandante calou-se.

No dia seguinte, no briefing da manhã, o olho aberto do Comandante denunciava que ali havia coisa.

No final do café com amendoim torrado à Macua, o Comandante rodou a cadeira do estirador e olhando da CCS por cima do edifício do comando, disse: “ Cruz Fernandes, se tu fosses eu e eu tivesse respondido como tu o fizeste, o que é que tu farias?”

Respondi: “ O mesmo que o meu Comandante vai fazer: – Ordenar-me que faça!”.

E assim nasceu a minha ligação ao cabo auto-suportado. Estava-se em Outubro de 1970. Desejava-se a inauguração para o início de Março de 1971, então data festiva das Transmissões.

Foi uma obra de muitas delicadezas e de uma enorme quantidade de trabalho, especialmente tendo em conta os escassíssimos meios técnicos de que as Transmissões dispunham e os limitados meios humanos nesta fase do processo.

6. Obra do cabo auto-suportado

Os ferros foram desenhados por nós e mandados fundir e metalizar (galvanização a quente) em Lourenço Marques.

Os postes, que eram de 10,50m, 440 kg de esforço à cabeça, foram calculados por nós, armadura e molde para o seu fabrico.

Com a Câmara Municipal de Nampula, que já tinha estaleiro, procedeu-se a negociações para que ela fabricasse 220 postes para o STM, mediante contrapartida da entrega pelo BTm2 de cimento e aço em quantidades negociadas entre a Câmara e o BTm2 (major Falcão).

Neste trabalho parte da mão-de-obra foi militar.

Para identificação futura cada poste foi marcado a três metros da base, com o emblema do STM, previamente mergulhado num recipiente de óleo queimado para impedir a aderência de emblema à massa. O resultado era ficar, em cada poste em obra, a cerca de 1,10 metros acima do solo, a aranha das transmissões gravada como sinal distintivo que permanecia 20 anos depois, quando voltei a Moçambique.

O transporte foi outra operação para a qual não havia nas transmissões viatura capaz. Resolveu-se, fixando dois pneus usados, de grandes dimensões, fornecidos pela engenharia, ao estrado da viatura. A parte pesada dos postes balouçava, no transporte, em cima desses pneus e compensava o peso que se descarregava sobre a cabine.

Fig7 - Lançamento do Cabo Auto suportado

Fig7 – Lançamento do Cabo Auto suportado

Ao chegar à obra, cada poste deslizava sobre a travessa que fixava os pneus e a sua base entrava directamente na cova que lhe era destinada. Quatro cordas previamente passadas pela cabeça do poste permitiam de imediato colocá-lo ao alto e escorá-lo, ficando apenas o alinhamento fino para depois.

Alinhamentos

Para o alinhamento das covas e depois dos postes foi preciso um teodolito, que não havia nas transmissões.

Para suprir essa falta foi fabricado, com base num simples esticador, uma mesa articulada para apoio de um binóculo, cujo conjunto desempenhou a função satisfatoriamente. A mesa tinha de um lado um espigão que se enterrava no solo e no outro terminava num apoio para o binóculo. A articulação era dada pelo esticador.

Para proceder aos alinhamentos escolheram-se pontos altos, a partir dos quais eram visíveis os troços entre eles. No ponto alto colocava-se quem procedia ao alinhamento, munido do teodolito (binóculo) e de um rádio. No extremo afastado fixava uma bandeirola branca verticalmente no solo.

Partindo deste extremo, uma terceira equipa, com um rádio, uma bandeirola branca e munida de estacas ia avançando no terreno por lanços de 50 metros, que eram os vãos entre postes.

Do ponto alto, o operador do teodolito orientava o alinhamento, dando instruções pelo rádio.

Por cada 50 metros alinhados, era enterrada uma estaca no solo a indicar o centro da futura cova. A operação continuava até esta equipa chegar junto do teodolito.

Nessa altura seguia-se a escolha de nova troço e a repetição das operações.

O trabalho de abertura das covas foi penoso. O solo encontrava-se laterizado e não havia máquinas que ajudassem. Eu próprio, algumas vezes de tronco nu brandi a picareta, gestos que permitiam, sem quebra de autoridade incutir no pessoal a ideia da importância e da urgência da obra.

Para o fabrico das espias, que eram feitas de cinco fios de arame de nº 11 torcidos, fabriquei também um aparelho que permitia multiplicar por 20 o trabalho de torcedura do fio. Esse aparelho foi colocado a uma distância de quatro vezes o comprimento de uma espia para permitir melhor torcedura e rendimento do trabalho. Num extremo foi fixada uma argola e no outro uma estrutura rígida, fixa ao solo, com uma manivela que rodava num rolamento aproveitado da sucata. Essa manivela passava por dentro do rolamento e terminava num gancho. Os cinco fios de arame eram passados, bem esticados, pela argola e pelo gancho. Depois, enquanto um militar rodava a manivela outro batia no chão o cordão que se ia formando, para evitar os encavalitamentos dos fios. Ao fim de alguns minutos estava pronto um cabo (estropo) de cinco fios de 60 metros de comprimento.

Para o lançamento das diferentes bobinas de cabo foi inventado outro processo que simplificou o trabalho de um modo radical. As bobinas, de mais de uma tonelada, seguiam montadas num cavalete que permitia que rodassem em torno do seu eixo. À cabeça do cabo era ligada, em “rabo de porco”, uma corda de 100m de comprimento, que cobria a distância de dois vãos. O pessoal foi dividido em quatro equipas. Duas equipas de “trepa” e duas de “puxa” (*).

O tripé com a bobina de cabo era levado até junto do primeiro poste. A primeira equipa do puxa levava a ponta do cabo até à base do mesmo, onde lhe era feita a ligação em rabo de porco. Um homem da equipa do trepa subia ao cimo do poste, à unha, levando a ponta da corda. Aí chegado, passava a corda por cima do rolete, previamente montado no parafuso de suporte do cabo, e fazia-a avançar até a ponta desta ser agarrada pela equipa do puxa que esperava no solo. Esta apanhava a ponta da corda e seguia com ela para o segundo poste. Uma vez aí, um segundo elemento do trepa pegava a corda, subia com ela o poste e procedia de igual modo que o anterior. Quando a corda se encontrava a meio do segundo vão começava a ficar esticada e a trazer o cabo com ela, fazendo desenrolar a bobina cerca de 100 metros atrás. Colocado em posição onde observasse toda a manobra bastavam poucas vozes de comando para que este pessoal actuasse como uma máquina perfeitamente afinada.

Por este processo o cabo de uma bobina de 1000m punha-se em cima em algumas horas, fixo aos postes e pronto a ser estabilizado. De notar que, como o cabo não foi de Portugal com folga, houve necessidade de fazer emendas nos pontos onde as bobines acabavam, o que levou a ter de fazer emenda a meio dos vãos para poupar cabo.

(*) Nota: Devo aqui distinguir nestas equipas o cabo Bernardo que trinta anos depois encontrei em Coimbra no Convívio das Transmissões. O condutor Constantino, landim de nação, e o 1.º cabo Bié, possante condutor, filho de régulo da Gaza, que um dia pegou uma serpente, mamba, à mão, quando me viu na iminência de a pisar e ser mordido. Na parte técnica contei com o furriel Abel Pereira Delgado, de Campo de Jales, Vila Pouca de Aguiar, que mais tarde empreguei na Refinaria de Sines, onde veio a fazer a sua carreira profissional, apesar de me ter enfrentado em Nampula, já na disponibilidade, na Revolta de 7 de Setembro, quando com outros se apoderou do Rádio Clube de Nampula e eu silenciei o emissor, cortando a energia no posto de transformação de onde era alimentado.

Emendas, terras e ensaios

Lançado o cabo, executaram-se as emendas e procedeu-se a ensaios. Fizeram-se ensaios de atenuação e de diafonia.

A atenuação era de facto bastante acentuada, cerca de 13 db. As disfonias eram muito fracas.

Durante os ensaios fez-se uma experiência muito importante: Com o tensor (cabo de suspensão) ligado à terra do lado do Receptor, mediu-se a tensão em vazio na ponta de chegada ao Emissor, com um voltímetro electrónico, que não tem consumo. Obteve-se uma tensão de 2.500Volt.

Demonstrou-se como as tensões induzidas podem ser perigosas, o que foi aproveitado com finalidades pedagógicas.

Depois ligou-se o tensor ao solo em vários pontos, cumprindo o que estava inicialmente previsto no projecto.

As ferragens metálicas de todos os postes ficaram também ligadas a terras de protecção ao longo do percurso.

Fig8 - Viatura com o pessoal do Cabo Auto suportado

Fig8 – Viatura com o pessoal do Cabo Auto suportado

Na inauguração o Comandante da Região Militar de Moçambique, general Kaúlza de Arriaga, foi o convidado de honra do comando do BTm2, a quem o major Garrido Baptista me apresentou e teceu um elogio, o qual transferi para o pessoal que esteve comigo, quando foi a minha vez de falar.

Para quem conheceu a fama das características inimitáveis de Kaúlza de Arriaga, impressionou-me bastante que tivesse ouvido sem um comentário toda a exposição e que, no fim, pelas perguntas que fez, também tivesse entendido tudo que tinha sido dito.

Desde esse dia Moçambique ficou ligada a Lisboa a partir de Nampula para tráfego radiotelefónico e radiotelegráfico.

A partir de Nampula ainda se podiam estender as chamadas a quase qualquer ponto de Moçambique de onde houvesse ligação ao Vietname do Cruz Fernandes, através da integração rádio-fio de que já me ocupei anteriormente.

Montado o cabo auto-suportado, este passou para o STM, inserindo-se nas Transmissões Permanentes.

7. Frentes de Operações

Operação Tete.

Entre as operações mais volumosas, ocorridas durante o tempo em que permaneci na Província de Moçambique, destaco duas, ambas na região de Tete.

A primeira foi desencadeada quando, com a dispersão dos guerrilheiros provocada pelo Nó Górdio, Samora Machel conseguiu convencer os Macondes a deslocarem-se de Cabo Delgado para outras frentes. Isso deu origem ao atravessamento do Malawi e à sua entrada em Tete.

A operação que se lhe opôs cobriu, entre outras, as áreas de Chipera, Chipeda e Chicoa, na bacia carbonífera de Cahora Bassa, hoje sob o lago com o mesmo nome formado pelo aproveitamento hidroeléctrico do Rio Zambeze.

O Vietname do Cruz Fernandes foi inaugurado, ainda de uma forma incipiente, com esta operação e permitiu provar a qualidade do local escolhido. No início, tropas do COFI ainda tentaram ligações a partir do Comando do COFI em Nampula, mas logo se reconheceu que não era preciso. Nós servíamos a todos com economia de meios de forma eficaz.

Nesta operação deslocaram-se para Chicoa, como oficiais do escalão avançado da Companhia de Transmissões do Comando, o capitão Veríssimo da Cruz e o alferes Santana. Tivemos uma baixa de transmissões nesta operação, uma praça.

Operação Carga Críticas    

Nos finais do ano de 1972, princípio de 1973, foi montada, no maior secretismo, a operação “cargas críticas”.

Uma parte do COFI foi deslocada para a Beira. Para que o segredo não se espalhasse, eu mesmo fui encarregado de fazer o estudo dos meios e deslocar-me à Beira para montar aí um pequeno Centro para servir o comando formado para o efeito e um posto a bordo de um vagão que se destinava a acompanhar as Cargas Críticas.

A operação foi montada debaixo de um sigilo absoluto e foi determinado o silêncio rádio rigoroso, salvo se houvesse um ataque. Mesmo neste caso a comunicação não seria feita em claro.

As cargas críticas foram disfarçadas num vagão do caminho-de-ferro, juntamente com outros similares. A bordo ia um posto rádio guarnecido e em silêncio, que daria conta apenas se houvesse, não podendo relatar qualquer outro facto. O conjunto tinha de atravessar pontos críticos, o principal era a ponte de Mutarara, sobre o Zambeze, guardada por forças especiais com alguma antecedência. A bordo ia também uma força de reacção rápida.

Cargas Críticas eram Transformadores, Válvulas de Segurança, Turbinas e Grupos Geradores. Uma carga destas que se perdesse atrasaria a linha de montagem de pelos menos dois anos, porque estas peças são feitas por encomenda e caso a caso. Não as há em stock.

Foi chefe do COFI avançado para esta operação o Coronel Craveiro Lopes.

Enquanto estive ligado à operação não aconteceu nenhum incidente com os guerrilheiros, mas houve um incidente grave.

Ataque à Messe de Oficiais da Beira

Foi justamente quando me encontrava na Beira, em cumprimento desta missão, que a messe de oficiais foi assediada por civis, o que levou dois oficiais, no limite da tolerância que era possível a reagirem com vigor para suster o que estava na iminência de ser um assalto.

Esses oficiais, o capitão Luciano Garcia Lopes, de Infantaria, natural dos Açores e meu camarada na AM (à data comando), e eu próprio, estavam simplesmente armados de varais tirados dos vasos que suportavam as plantas no interior da Messe. Levámos connosco uma minúscula força militar de uma secção que aí se encontrava com o seu graduado. Combinada a sortida, depois de nos assegurarmos que apenas haveria tiros para o ar, arremetemos sobre a turbamulta em direcção ao mar, desancando tudo que se apresentasse à nossa frente. Apanhados de surpresa os valentões correram por tudo que era lado, deixando no local os carros, que só vieram buscar no dia seguinte.

Pela minha parte assentei umas ripadas num PIDE que me tinham indicado no meio da malta e mais uns quantos machambeiros. Algumas capotas de carro tiveram os seus danos também.

Quando chegámos à borda de água estava só com dois valentes soldados atrás de mim. A malta, que antes tinha crescido contra nós, maltratado o governador (que foi preciso ir buscar ao meio da rua para dentro da Messe), apedrejado e partido os vidros da Messe (Bar de Oficiais), ter posto todas as crianças e senhoras a gritar de medo no andar de cima para onde foram levadas, ter-nos chamado todos os nomes que havia, estes valentões estavam todos a mais de 100 metros de nós, de onde continuavam ainda de forma mais atenuada a dirigir-nos chufas.

Virei-me e não vi o Luciano. Com o pessoal que me seguia busquei-o e fui encontrá-lo dentro de uma cova de um pilar de uma construção começada, mas incapaz de se guindar e subir só por si. Tinha uma clavícula partida em resultado do que ele pensa ter sido um calhau que lhe arremessaram. Seguiu dali para Lisboa.

Passado o perigo, todos lamentaram o governador civil (qualquer coisa como Telo ou Melo), ter ido lá, quando os machambeiros picados pela PIDE exigiram a sua presença. Quase foi linchado pelos machambeiros que o rodearam e acotovelaram na rua em frente à Messe. Exigiam que o governador lhes dissesse o que estavam ali a afazer tantos madraços que deviam estar a combater lá na linha da frente e não a passar férias.

Eles que tinham de suportar uma guerra que era da Metrópole e com a qual não tinham nada, já estavam a perder a sua sagrada segurança de que havia décadas desfrutavam, pois que até já tinha havido um assassinato ali em Vila Peri, a Sintra da Beira, coisa que a gente de bem lá do sítio não estava disposta a tolerar.

De nada tinha servido um alferes, à porta da Messe, preso de emoção, quando lhe perguntaram da rua o que é que, ele, um gajo novo, estava ali a fazer e, ele respondeu que vinha embarcar a urna de um colega morto em combate.

Destacou-se no fim, já com tudo em ordem, um tenente-coronel de Administração Militar, que atingiu o posto de general, e cujo nome não me recordo, tomou a iniciativa de fazer um relatório do que se passou. Penso que foi esse documento ou cópia dele que mais tarde chegou ao conhecimento do MFA.

Pela minha parte fiz o mesmo mas, com o regresso precipitado, este como outros documentos perderam-se.

8. Companhia de Instrução (CI)

A escassez de tropas idas da metrópole e a existência de bastante juventude local, branca, indiana e africana levou os comandos superiores a recorrer a incorporações da Província em escala considerável.

Foi portanto tornado urgente pôr a Companhia de Instrução a Funcionar.

Nomeado comandante da CI, em acumulação com as funções que já tinha, logo em 1970, dei início aos trabalhos para a instalação e funcionamento da CI.

Fig9 - CI - Exercícios

Fig9 – CI – Exercícios

A Companhia de Transmissões tinha duas salas reservadas no pavilhão da esquerda da Porta de Armas, entre a Casa da Guarda e a Secção Técnica.

Não tinha equipamentos. Umas mesitas e umas fichas no chão provaram ser inadequadas, além de estarem já todas partidas e cheias de lixo.

A CI tinha como missão preparar pessoal telefonista, radiotelefonista e radiotelegrafista, além da segurança das transmissões.

Apetrechamento das Salas

Para conseguir boa preparação e aproveitamento foram desenhados quatro módulos de seis lugares cada um, separados por tabiques e tendo cada um chave de morse, auscultadores e telefone (*). Estes módulos, incluindo cadeiras ergonómicas, foram idealizados por mim, desenhados pela Secção Técnica e executados na Engenharia.

Foi desenhado e construído por mim e por um sargento (Graça?) um equipamento de instrutor que consistia num rádio receptor, num gerador de sinais e num misturador que combinados permitiam simular todas as situações passíveis de serem encontrados nas mais diversas situações operacionais. Sinais fracos, sinais sobrepostos, interferências, morse e voz misturados, ruídos sobre sinais fracos, etc. O aparelho permitia receber e/ou gerar e misturar todas as combinações possíveis. A saída deste equipamento estava ligada a todas as posições de operador e permitia que o instrutor fizesse mais da uma rede de cada vez, escutasse ou interviesse em redes em funcionamento.

Fig10 - CI - Exercícios

Fig10 – CI – Exercícios

Além disso no lugar do instrutor foi instalada uma central telefónica, semiautomática que permitia fazer redes telefónicas e radiotelefónicas com as extensões que terminavam na posição dos operadores. Isto permitia ao instrutor fazer e controlar as redes à vista, corrigir exploração incorrecta e envolver todos em tudo o que se passava na aula. Ou fazer redes privadas entre as posições e pô-las a praticar morse, sem que isso interferisse com a aula. O instrutor tinha acesso a todas as redes e podia monitorar o que em cada uma se estava a passar. Este sistema revelou-se de uma eficiência inusitada. A ponto de ser preciso autorizar os alunos a irem para a as salas treinar à noite a seu pedido.

Exercícios de Campo

No final de cada instrução sempre se desenvolveram exercícios de campo para os lados do Rio Monapo. Aproveitava-se o ensejo para fazer confraternização com os naturais, situação que os régulos tomavam como uma notável distinção que cunhava o nosso reconhecimento da sua autoridade perante o seu povo.

Chegou a haver torneio de futebol com taça e tudo. Aliás, ganha por eles e, diga-se, com muito mérito porque, jogando eles descalços e os militares calçados, queixavam-se mais estes do que eles.

No ano seguinte guarneceu-se uma segunda aula no mesmo estilo e com os mesmos meios que a primeira.

Nos anos 71 a 73 ainda ganhava a convicção de continuidade e de utilidade da nossa missão em Moçambique.

(*) O projecto do sistema instalado extraviou-se-me já depois de regressado de Moçambique. Emprestei-o a alguém que mo não devolveu.

Rômbicas – ensaios

Foi por essa altura que se ensaiaram equipamentos de transmissões, idos da Africa do Sul e até da Rodésia. Entre esses destaco uma antena rômbica que radiava verticalmente na banda dos 3 aos 30Mc/s, apresentava um ganho de alguns db e tinha a particularidade de não ter zona de silêncio, o que a tornava muito adequada para emprego pelotão-companhia no mato.

E portanto adequada para uma Companhia de Instrução de Transmissões, de onde se esperava saíssem com o tempo todas as praças de transmissões.

Pesava apenas 4 kg, embalada media pouco mais de 60cm e montada media pouco mais de 4x4metros por três de altura.

Em teoria, esta antena radiava verticalmente em ondas toroidais, que se reflectiam a partir a vertical do lugar e, portanto, atingiam o solo sem zona de silêncio.

Durante as experiências pude verificar que o alcance era regulado variando a distância da rômbica ao solo, o que se conseguia por meios de 4 espias verticais que guarneciam os quatro pequenos mastros. Quanto mais próximo do solo mais o ângulo de ataque se afastava da vertical e maior era o alcance da antena, dentro dos seus limites de operação.

Toda esta actividade concorria com a ideia que ganhava força de criar quadros provinciais que suprissem as necessidades de especialistas de transmissões idos da metrópole. Daí também a ênfase colocada na Instrução e na preparação de meios adequados para garantir uma tropa eficaz e operativa.

O “on job training” que nos anos 85-87 foi a coqueluche da instrução de transmissões em Portugal (nomeadamente na segunda parte da preparação que se dava no RTm/Lisboa aos operadores de Tm), foi aí, nas aulas do BTm2 de Nampula, que teve a sua génese.

9. O Batalhão de Transmissões de Nampula

Numa avaliação a trinta anos de vista não é fácil reproduzir com exactidão a área desta unidade de Transmissões, mas avalio-a em cerca de oito campos de futebol, ou 8 ha.

O BTm2 era o último de uma correnteza de unidades a caminho do vale.

Começando de cima encontrava-se, ainda na plataforma, o Hospital. Depois a Engenharia, seguindo-se a CRMMTm e, finalmente, o BTm2. Estava situado no declive suave do terreno, em solo vermelho de granito alterado, com uma componente férrea acentuada e facilmente erodível. Estando situado num declive, os terraplenos foram feitos em vários patamares.

Fig11 - BTm2 - Casernas da CTm e STM

Fig11 – BTm2 – Casernas da CTm e STM

Começando pela Porta de Armas, que faceava com o alinhamento geral dos quartéis, tinha-se à direita uma plataforma elevada, na qual se situava o Edifício do Comando, o CA e a Sala de Oficiais.

À Porta de Armas, e ao mesmo nível, seguia-se uma plataforma que tinha à esquerda a Casa da Guarda, a Companhia de Instrução e a Secção Técnica.

A esta plataforma seguia-se uma rampa que dava para a Parada Principal, um espaço aberto de grandes dimensões que tinha ao fundo e em frente, cruzada como sentido da progressão, o Refeitório, as Cozinhas e as Instalações do Vagomestre.

À direita da entrada na Parada Principal, faceando com o Refeitório encontrava-se a Caserna da CCS e o Gabinete do Oficial de Serviço.

À esquerda e no alinhamento da progressão da Secção Técnica, a Companhia de Transmissões e a do STM. Separado por um intervalo considerável, mas alinhado com o CTm e o STM, situava-se o Centro Receptor. Para trás deste edifício situava-se o campo de antenas do Centro Receptor. As oficinas auto eram a céu-aberto, nas traseiras do STM.

Foi no Centro Receptor que foram testados os cristais do AN/GRC -9 e feitas as escutas de varrimento de frequências.

10. Serviço de Telecomunicações Militares – STM

Desenvolvimento do STM

O STM foi quase sempre comandado por outros oficiais, nomeadamente pelo capitão Figueira e, depois, com o seu regresso a Lisboa, pelo capitão Bastos Moreira.

É por isso possível que, num aspecto ou noutro, estes oficiais tenham coisas a acrescentar, que eu desconheço.

Porém, na minha segunda comissão passei para o Comando das Transmissões e procedi a muitos trabalhos, alguns dos quais se destinavam ao STM. Falarei disso depois.

Com o Centro Emissor ligado ao QG/RMM, pelo Cabo auto-suportado e com a pequena distância entre o QG e o Centro Receptor ligado por um cabo de menor capacidade, mas que foi suficiente nos primeiros tempos, iniciaram-se as comunicações a longa distância a partir de Nampula.

O número de circuitos ponto-a-ponto cobertos pelo STM começou a aumentar, um pouco à imagem do que se tinha passado na Metrópole.

Principais ligações depois da montagem do cabo auto-suportado

Nampula – Lisboa

Nampula – Lourenço Marques

Nampula – Beira

Nampula – Mueda

Nampula – Tete

Nampula – Vila Cabral

Estas ligações estavam a funcionar já no fim de 1970, princípio de 1971.

As antenas de recepção eram essencialmente cortinas “lasy” de grande altura e extensão, situadas no Campo de Antenas, anexo ao Centro Receptor, dentro de BTm2.

Em Nampula, o STM dispunha, além do Campo de Antenas do Centro Receptor, o Campo de Antenas do Centro Emissor, a 11 km da cidade, junto à Represa do Rio Monapo que abastecia a cidade de água.

Além das Transmissões, outras forças, como a Engenharia, dispunham de redes próprias de comando e logística.

O Centro Emissor (edifício) já existia quando chegámos. Faltava instalar as antenas e fazer a ligação entre o Centro Emissor e o Centro Receptor.

As antenas de emissão eram logarítmicas periódicas verticais e horizontais, orientadas segundo as ortodrómicas que, partindo de Nampula, passavam por Lisboa, Lourenço Marques, Beira/Tete.

No QG/RMM, o STM tinha a sua própria estação, onde funcionava o CMsg, a Central Telefónica e a Central Telegráfica.

A CHERET funcionava à parte.

No QG/RMM funcionava também o comando das Transmissões o qual, com a chegada do coronel Fernandes Basto, passou a exigir o despacho de STM consigo.

Nesta altura, fins de 1972, chegou para comandar o BTm2 o ten-coronel Pinto Correia, passando o capitão bastos Moreira a ter despacho com o Cmdt das Transmissões e com o Cmdt do Batalhão, situação de que repetidamente se queixava aquele oficial.

É nesta altura que, sendo decidido o lançamento de um cabo de grande capacidade entre o Centro Receptor e o QG/RMM e declarando-se o capitão Bastos Moreira impreparado para isso, o Comando mais uma vez me encarregou de fazer o trabalho, argumentando-se então que o único com preparação para construir “terras de serviço” muito exigentes era eu. Como de costume, o trabalho foi executado em sobreposição dos afazeres que eu e o meu pessoal tínhamos atribuídos e com a costumada falta de meios. O cabo foi lançado sem grandes obstáculos.

De facto, a “recepção” andava fraca devido ao elevado nível de ruído parasita (capacitivo), de que não conseguiam libertar-se. Quanto à terra de serviço, também se teve de recorrer ao improviso, porque o sistema de estacas, que era o consagrado na altura, não funcionava devido à rapidez com que o terreno perdia a humidade e se tornava isolante.

A construção da terra exigia uma grande superfície de contacto com o solo, humidade garantida, um sistema de soldadura que não gerasse correntes nem aumentasse a resistência ohmica e um terminal de terra acessível e com materiais não oxidantes e bons condutores. Para o efeito servi-me de quatro radiadores enterrados a três metros de fundo, dispostos em X, ligados entre si por um cabo de cobre de 30mm2 de secção. Partindo do centro da ligação um cabo da mesma secção ligava o conjunto à superfície e constituía o terminal de terra.

Com os radiadores foi montado um sistema de tubagens que permitia rega periódica. Um linguete amovível permitia a medição periódica da terra de serviço. Este trabalho acabou com os ruídos parasitas. Aresistência de terra obtida foi inferior a meio ohm na pior estação e o ruído de recepção desapareceu. Isto permitiu elevar o nível do sinal na recepção para o fazer chegar aos operadores de rádio do Centro Receptor ou até ao QG/RMM.

Desenvolvimento do STM

Para os fins de 1970 já havia ligações do STM seguintes, a partir do Centro Receptor de Nampula:

Nampula – Porto Amélia

Nampula – Marrupa

Nampula – Mueda

Nampula – Mocuba

Nampula – Nacala

Nampula – Montepuez

Como se vê, a maior densidade de redes situava-se nos distritos do Norte, por ser aí que as acções de “libertação” se desencadearam.

Equipamentos do STM e serviços mais comuns

Serviços:

  • Radiotelefonia e radiotelegrafia

Materiais:

  • Mastros triangulares, de secções de 3 m de comprimento, montados topo-a-topo com base de betão e espiados segundo as direcções das diagonais da secção recta dos mastros. As alturas dos mastros variavam entre 45 e 60 metros, com sinalização e terras.
  • Antenas YAGUI, de 11 db de ganho, alimentadas por cabo coaxial RG-218/U, com terminais de feixes de cinco 5, duas e uma via.
  • Comutadores telefónicos (centrais) BC/BL de (20+5) e (30+10), sendo 20 e 30 as extensões e 5 e 10 as linhas de rede (estas para os feixes e para a rede pública local).
  • Redes de unidade, de cabo telefónico aéreo (PET -10 pares) ou mais.
  • Telefones BC, em número variável, conforme a unidade.
  • Central telegráfica, ou teleimpressor SAGEM
  • Rádios: TRT, Marconi ou Standard.

Com o tempo e com o amortecimento das operações de grande escala, a actividade da companhia de Transmissões foi desviada pelo comando para outras áreas. Refiro-me concretamente à “OPERAÇÃO FRONTEIRA”, para a qual havia uma grande esperança de Kaúlza de Arriaga que se deslocou a Lisboa com o estudo da OPERAÇÃO FRONTEIRA, para convencer o poder político a garantir-lhe os meios adequados para a pôr em funcionamento, mas foi mal sucedido.

É nessa fase que se reforça e se desenvolve toda a montagem da técnica da Companhia de Instrução, se alargaram as funções da Secção Técnica, isto dentro de BTm2.

11. Comando das Transmissões

Por seu lado o coronel Basto, com quem já tinha trabalhado algum tempo na Metrópole, chamou-me ao Comando das Transmissões e deu-me o encargo de projectar redes telefónicas internas de unidades, maioritariamente enterradas.

Assim, comecei a percorrer várias unidades para avaliar os meios necessários e proceder ao planeamento e a projectos de cariz moderno, com introdução de centrais automáticas e semi-automáticas, ligação à rede pública local e ao STM a Nampula.

Era para operar estes meios que, aliás, já vinha a preparar as praças de transmissões na CI do BTm2.

Foram feitos por mim projectos de redes internas de unidades para Tete, Mueda, Montepuez, Marrupa, Vila Cabral e Porto Amélia, além da de Nampula, onde existiam vários órgãos militares, não só na zona dos quartéis como na civil.

Com excepção e Mueda e Tete e talvez Marrupa, poucas chegariam a ser feitas. Em Nampula todos os estabelecimentos militares chegaram a estar ligados pela rede militar e muitos dos oficiais vivendo em casas civis tinham rede militar em casa.

Operações avulsas

As Transmissões em Moçambique eram pau para toda a colher e o coronel Fernandes Basto foi-se apoderando das actividades dos oficiais de Transmissões a pouco e pouco.

No que me diz respeito, quando chegou a segunda leva de oficiais, Campos Soares e Gardete, o coronel Basto solicitou e obteve a passagem do comando da CTm para um destes oficiais, o da CI para outro e a minha passagem para o Comando das Transmissões/QG. Foi aí que foi projectada a maioria das redes internas de transmissões de unidades a que já me referi e a partir de onde tomei parte ou dirigi outros trabalhos.

APSIC

Desenvolveu-se um projecto pedido pela APSIC, que consistia em estudar uma instalação sonora, a montar a bordo de um helicóptero ou de um avião, que sobrevoasse locais onde existia ou supunha existir população concentrada, para se lhe debitar lá de cima informações e palavras de ordem convenientes para os nossos propósitos.

Para um trabalho destes era preciso, além do estudo teórico, dispor da fonte sonora, da fonte de alimentação e de fazer ensaios.

Os ensaios eram precisos porque se sabia que a mensagem só teria utilidade se o nível com que chegasse às populações não fosse abafado pelo ruído da aeronave que transportava a fonte sonora. Além disso o meio aéreo, para ser eficaz, teria de ser lento e fazer mais do que uma passagem, o que poderia expor a nave e operadores a grave risco.

Estes e outros considerandos que expus num relatório prévio que apresentei, não tiveram peso para deter que o estudo e o ensaio fossem mandados prosseguir.

Feito o estudo, prosseguiram os ensaios no aeroporto de Nampula, assessorado por um técnico da FAP, por um piloto e por um helicóptero.

A fonte sonora foi uma corneta da UNIVERSITY, de elevado ganho, de 1800Watts de potência sonora de saída, trabalhando a 12 Volt DC. Isto levou à determinação da carga (peso) de baterias a transportar a bordo para um determinado tempo de operação sem interrupção.

Para confirmação experimental dos cálculos a que cheguei, procedeu-se a ensaios que tiveram lugar no próprio aeroporto.

O equipamento, como não havia ainda condições de o montar a bordo de uma aeronave, foi colocado no cimo da construção mais alta do aeroporto. Com ele a trabalhar na máxima potência (a transmitir um texto), verifiquei até onde, no solo, o som chegava perceptível. Depois mandei colocar um helicóptero em funcionamento uns metros acima da instalação e reverifiquei os resultados.

Os resultados confirmaram os cálculos e, entrando em consideração com a necessidade de introduzir alterações na aeronave para instalação da alimentação e fixação no exterior de fonte sonora, a APSIC viu abortada a sua pretensão.

Instalação de antenas de Homing (*) em meios aéreos

Os heli, penso que Allouettes, permitiam aos pilotos fazer homing. Homing é a operação de radiolocalização inversa. Faz-se homing escutando uma estação que sabemos onde fica e fazemos o aparelho caminhar na sua direcção.

Certo fim-de-semana, uma das muitas vezes que o fazia, o coronel Basto telefonou-me para casa e, apesar de ser domingo, “propôs-me” que às duas da tarde estivesse no aeroporto de Nampula e que levasse uma muda de roupa.

Seguimos para Mueda, que na altura já tinha uma certa má fama.

Aí, durante um briefing, foi-me “pedido” que explicasse como funcionava essa coisa do homing. Com o tempo fiquei a pensar que era para isso mesmo que o coronel Basto me tinha levado, mesmo sem mo dizer.

A explicação convenceu os comandos presentes e ficou assente que eu iria montar as antenas (no caso antenas Adkock) e explicar ao piloto como operar o equipamento para fazer o homing. Faço notar que a aeronave já tinha radiogoniómetros.

Da equipa de furriéis que pilotavam helicópteros, um era filho do general Neto e outro sobrinho do general Costa Gomes, personagens que dispensam mais referências. Já não sei qual deles saiu comigo. Mas quando, já no ar, lhe disse para traçar uma rota e se afastar para, no regresso, poder dar-lhe as instruções que precisava, calou-se e sobrevoou apenas a área do quartel.

Interrogado por que o fazia, respondeu: capitão, a teoria é lá em baixo. Aqui tudo é real, tanto a vida como a morte. Se me afastar como pretende é a morte que nos espera. Daqui só se sai pelo vale de Miteda, onde é possível anular a eficácia do tiro do IN.

Então os equipamentos podem nunca lhe chegarem a ser úteis, disse-lhe eu. Não sei se chegaram a ser úteis mas, daquela vez, não nos afastamos do perímetro do quartel.

O coronel Basto regressou a Nampula. Eu continuei o trabalho.

À noite fiquei a saber que à volta do Campo estava tudo artilhado e minado e que o furriel não actuou por medo mas por segurança, em cumprimento de normas de execução permanente dos pilotos.

Naquela noite de Mueda toda a gente esperava um ataque. Os mais treinados passavam a noite no bar, prontos para qualquer eventualidade, ou arrastavam as camas para os ângulos mais resistentes das paredes, protegendo-se do lado de onde era suposto ser atacado.

Na noite do meu regresso a Nampula, Mueda foi atacada.

(*) Homing – Palavra inglesa que significa “ir para casa”.

“OPERAÇÃO FRONTEIRA”

A operação Fronteira foi principalmente um Plano de Telecomunicações, Radiodifusão e Televisão. Já me referi a este projecto quando falei do capitão Figueira o do major Garrido Baptista. Este trabalho ocupou muito do nosso tempo durante a primeira comissão em Moçambique.

Tratava-se de um Trabalho, pedido pelo próprio Comandante-Chefe às Transmissões e destinava-se à recuperação das populações de toda a área que Kaúlza pensava que tinha sido ganha com o “Nó Górdio”, sendo apenas preciso, no seu entender, mantê-la sob controlo e trazê-la mais para o lado das nossas pretensões.

Kaúlza queria vir a Lisboa apresentar a sua teoria, mas não queria chegar aos centros de decisão de mãos a abanar.

Nesta fase da OPERAÇÃO FRONTEIRA, ele queria abarcar NANGADE-PUNDANHAR-TARTIBO-NHICA-PALMA-MOCIMBOA DA PRAIA-DIACA E MUEDA.O Projecto foi desenvolvido no Comando, sob a orientação do major Garrido Baptista, mas com forte contributo do Figueira e, em menor grau, meu também. Na sua vinda a Lisboa Kaúlza não se saiu bem e o projecto OPERAÇÃO FRONTEIRA não arrancou mais, apesar de estar em estado de poder avançar. Constituiu no entanto um projecto importante de capacidade de afirmação e de realização das transmissões em Moçambique.

12. Contribuição para o desenvolvimento fora do meio militar.

Muitos foram os oficiais que desempenharam funções no meio civil em Moçambique.

Escola Técnica Neutel de Abreu

A maioria dos da minha geração e de gerações mais jovens desempenharam funções, principalmente na Escola Técnica Neutel de Abreu de Nampula. Esta escola tinha um regime de funcionamento diário, que se iniciava às 07h30 da manhã e só terminava às 11h30 de noite, sem interrupção.

Pela minha parte também aí leccionei Electricidade (teoria e prática) durante quatro períodos, chegando a ser convidado para Vice-Reitor, função incompatível com a minha condição militar. Mas, pela parte que me cabe acabei por ser envolvido noutras funções, fora da Escola.

Câmara Municipal de António Enes

Tinha chegado havia poucas semanas e fui procurado na unidade por um civil, que vim a saber mais tarde tratar-se de Alfaro Cardoso, Administrador de António Enes (Angoche), que me convidou para lhe assegurar a consultoria da Câmara para pelouro da electricidade.

Tentei explicar-lhe que o meio militar não funcionava com essa facilidade e que, por maior que fosse o meu desejo e preparação para assumir o cargo e fácil compatibilizar isso com as minhas funções militares, tal aceitação dependia ainda de dois escalões: do Comando da minha unidade e do Comando da RMM. O meu interlocutor não se convenceu e, em resposta, informou-me ser cunhado do CEM do QG/RMM, que mais tarde veio a ser o general Menezes (açoriano), e que o assunto por essa parte já estava tratado. O meu comandante, através do major Garrido Baptista, já o sabia também. Bastava eu aceitar e concretizar isso com um requerimento apenas para formalizar o assunto. De facto assim era.

Em António Enes sou autor do Projecto de Iluminação do Museu das Conchas, da Central de Geração de Energia e do estudo das Tarifas de Electricidade.

Havendo geração autónoma e consumo próprio da autarquia (bombagem da água de consumo, iluminação pública e consumos dos órgãos autárquicos), a determinação das tarifas era uma operação trabalhosa e complexa. Isto, é claro, para além da consultoria e da fiscalização das obras de electricidade de que a Câmara era dona.

Fiscalização de Obras Públicas

Um pouco mais tarde, o Director Provincial das Obras Públicas, convidou-me, penso que indicado pelo Prof. Eng.º Telles, sócio fundador da Sociedade Técnica de Obras e Projectos (STOP), para fiscal das obras públicas (electricidade) do Distrito de Moçambique, entre as quais teve especial relevo o Complexo Prisional do Norte, situado em Nampula.

Peritagens para o Tribunal

A certa altura deu-se um incêndio numa garagem de oficinas de reparação automóvel em Nampula, questão que foi resolvida no litigioso. Porém, o tribunal ficou manietado por contradições insanáveis entre testemunhas das partes, o que o levou a requerer peritagens.

Nomeado chefe de equipa, de que também fazia parte o alferes Mendes, colega no IST e na altura a cumprir serviço militar em Transmissões, postulamos determinadas hipóteses que a verificarem-se determinariam a inequívoca responsabilidade de apenas uma das partes.

Feitos os ensaios e entregue a peritagem técnica no Tribunal, esta foi posteriormente explicada em sessão pública e claramente definida a responsabilidade das oficinas. Isto levou o tribunal a requisitar-me em permanência como perito para litígios que envolvessem conhecimentos especiais no domínio da electricidade.

Acabei por ser consultado ainda algumas vezes mais.

Gestão em engenharia electrotécnica – STOP

Em António Enes desempenhei, em nome da Câmara, funções de fiscalização de obras de electricidade ganhas pela firma STOP, a que já me referi.

Durante a execução da obra tive contactos com o Prof. Eng.º Telles, o qual, no fim me convidou para lhe fazer a fiscalização de vários trabalhos que a STOP tinha no Norte, fora da jurisdição de António Enes. Havia incompatibilidade, nomeadamente se a STOP vencesse outros trabalhos dependentes da Câmara de António Enes.

Posto o problema ao Administrador, este fez questão que eu aceitasse porque, segundo ele, até via vantagens nisso. Sendo por ele já conhecidas as exigências que tinha feito em trabalhos anteriores, esse padrão não se ia alterar por passar a haver essa relação.

Mesmo assim, fiz que fosse aceite que, se a STOP ganhasse mais obras em António Enes, elas teriam uma fiscalização escolhida pela Câmara e paga pela STOP, ficando eu livre para fazer a refiscalização por parte da Câmara.

Frente Norte

Posteriormente a empresa abriu uma frente de trabalho no Norte, com sede em Nampula e tornou-se em breve a empresa mais forte no ramo de obras de electricidade em Moçambique, passando em pouco mais de ano e meio de 3.000 para 54.000 contos de obras em carteira.

A STOP entregou-me a responsabilidade máxima a seguir ao Eng.º Telles por essa frente.

Automação

A STOP era a primeira empresa de Moçambique em automação.

Fábricas de descasque de algodão, como a da Companhia de Algodão de Moçambique (CAM) e a do Monapo, as empresas de Sisal, como as da João Ferreira dos Santos (J.F.S.) ou de descasque de caju, como a Antenes, que são unidades completamente automatizadas, foram projectadas e montadas, do ponto de vista do comando e controle, pela STOP. Além do projecto, da montagem e do arranque, a STOP assegurava o regular funcionamento destas unidades.

Nesta empresa enriqueci a minha vida profissional em áreas que nunca poderia ter feito no Exército. Também lhe levei métodos de rigor e de brio profissional que foram absorvidos por todos os que dependiam da minha orientação.

Os meus melhores alunos da Escola Neutel de Abreu tiveram na STOP o seu primeiro emprego e aí se fizeram profissionais briosos e competentes.

Militar que passasse à disponibilidade na “Província” e se tivesse distinguido no serviço pela competência e pelo aprumo, também podia ter aí uma colocação. O furriel Abel Pereira Delgado, meu braço direito nas ligações do cabo auto-suportado, o qual tinha ido dos Correios de Portugal para a tropa, foi um deles. Já na disponibilidade, tomou partido pelos revoltosos do 7 de Setembro de 1974 que tomaram de assalto o Centro Emissor de Radiodifusão de Nampula e que eu silenciei numa operação relâmpago, cortando-lhe a energia no Posto de transformação de BT, de onde se alimentava.

Beneficiei de conhecer a rede eléctrica de Nampula, desde quando fiz trabalhos de passagem de cabos ao longo da cidade e ter de memória de onde eram alimentados os órgãos principais da cidade.

Já em plena Campanha de Dinamização apareceram-me, em Castro Daire, o Pereira Delgado e o Silva, que queriam entrar para a manutenção eléctrica da Refinaria de Sines, mas não tinham quem os abonasse.

Desloquei-me com eles ao local, fiz as minhas recomendações por escrito e verbais, declarando que a empresa só teria vantagens em admiti-los. Desde esse dia até ao fim das suas carreiras nunca mais nenhum deles mudou de empresa. Até passaram a viver na cidade de Santo André. O Silva era um profissional de alto gabarito, que já encontrei na STOP.

Outro profissional que fez parte da sua carreira na STOP foi o primeiro-sargento Pires. Este homem, sendo meu sargento, quis sair da tropa para ir para DETA, a ganhar 7 000 escudos mensais.

Convenci-o a meter licença ilimitada, em vez de sair, e a ir para a STOP em vez da DETA, oferecendo-lhe 11 000 escudos mensais, devido à sua qualidade profissional. Aceitou e, depois de o seu trabalho ter sido apreciado pelo Eng.º Telles, foi movimentado para Lourenço Marques, a ganhar 14 000 escudos.

O sargento Pires retornou ao serviço e veio a falecer como Ajudante, em Lisboa, ao serviço da Academia Militar, quando era comandante o senhor general Pereira Pinto. A sua morte deu origem a um drama familiar, que felizmente o Comandante da Academia resolveu sem grandes sequelas. A família vivia em casa militar e, com a morte do titular, perdia direito a ela. A esposa foi admitida como funcionária da Academia, de modo a passar para ela a titularidade por morte do marido, salvando a família do despejo.

Profissão livre

Com idade de trinta e poucos anos, o ritmo de trabalho e a capacidade de resistência estão no seu auge. Por isso ainda me sobrava tempo para exercer profissão livre. Depois que o meu nome foi conhecido na praça, a dificuldade estava em responder a todas as solicitações.

Uma dessas solicitações foi o projecto de electricidade do Complexo Habitacional e Desportivo da Juventude de Nampula, que não chegou a ser construído, embora o fossem os projectos.

Outro foi o do Mini-Golfe do Sporting Clube de Nampula.

Este foi um trabalho delicado em termos de luminotecnia, dado que o campo de golfe se destinava à exploração nocturna, situação em que os jogadores de uma dada estação têm de ver os buracos da estação que desejam atingir com iluminação suficiente, mas sem encandeamento.

Tudo neste trabalho teve de ser desenhado e ensaiado de raiz, porque o mercado não tinha luminárias nem postes adequados para o fim em vista.

Cerca de 24 anos depois da inauguração voltei a Moçambique para avaliar a possibilidade de Portugal participar no processo de paz, fornecendo as Transmissões que iriam ligar os diferentes órgãos de comando dispersos pelo país.

Em Nampula pude verificar que o Mini-Golfe do Sporting de Nampula é das poucas coisas que continua a funcionar.

 

11 comentários a “Coronel Cruz Fernandes – Uma notável história de vida (2)

  1. Olá meu bom amigo Cruz Fernandes.! Que bom ver-te por aqui e ler a tua história. Recordo -te do Hospital de Coimbra a onde foste internado para seres operado ao colo do Femur por um acidente em Castro Daire. Nunca mais esqueci o grande homem que fostes e que és ! Eu era a tua amiga Enfermeira como tantos outros que ali te conheceram … Esperamos que estejas bem . Um grande abraço saudoso !!!

  2. CESARIO ORFÃO: estive em nampula no periodo de 1970 a 1972 estavam dois alferes que recordo com saudades, ambos alferes milicianos, um Alferes ” Rapaz” e o outro ” Nunes da Silva ” não me recordo do nome próprio.

    • Camarada Cesário, Grande Abraço. Também estive em Nampula – BTM2 / Comp.Transmissões mas, maior parte do tempo estive colocado no CTransm-QG. Lembro-me do teu nome, só não me recordo onde estavas colocado. Um Grande Abraço. Alberto Soares – ex-1ºcabo Op.Msgs.

  3. Depois de ler tudo com algum cuidado passo a esclarecer que fui furriel miliciano de 1967 a 1971 no STM Lourenço Marques onde fui o responsável pelo Radiotelefone instalado no Batalhão de Engenharia. Fui o primeiro classificado do meu curso. Em 1970 fui colocado em Nampula visto o General Kaulza ter encerrado o STM em LM.
    Trabalhei com alferes engenheiros de muitíssima competência e vejo pouco ou nenhum relevo dado a esses alferes engenheiros que fizeram apenas o seguinte: Varrimento para útillizàço pelo exército das melhores frequências possíveis.
    Concepção é montagem de uma antena para retransmissao do sinal vindo de Lisboa para o reenviar para Timor .
    Concepção é montagem de uma rede pare recepção de sinal radio de emissões de telex para recepção de mensagens .
    Na maior parte destes projectos que tiveram sucesso estive em colaboração de quase 24 permanentes 7 dias por semana com o então capitão Alcides de Oliveira engenheiro de enormissimo gabarito. O Chefe do STM era o Capitão Oliveira Pinto .
    Depois em Nampula fui chefiar o radiotelefone instalado no Quartel General.
    Por instruções directas do General Kaulza ao major Pereira Pinto , fui adstrito ao COFI e fui no primeiro grupo que foi para Mueda para montar as comunicações com os grupos do mato e o comando do Cofi em Mueda e de Mueda para o Comando chefe em Nampula . Chegamos a mueda com medida dúzia de rádios , sem grandes meios , sem local para dormir e com a hostilidade do segundo comandante do Batalhão local que não estava a par nem da Operação nem do que era do Cofi. Por sugestão minha Ocupamos a casa do administrador do Concelho que estava em Portugal de férias e era uma das poucas que tinha uma enormissima cisterna de água subterrânea.
    Ao fim de dois meses fui rendido porque esse tinha sido o acordo com o Briigadeiro do Comando Chefe.
    Recebi ainda em Lourenço Marques um louvor individual do Comandante Chefe e um colectivo.
    No texto acima fiquei triste com o não destaque ao capitão Alcides de Oliveira que enquanto em Lourenço Marques trabalhou comigo muitíssimas mais horas do que as suas obrigações normais incluído fins de semana , noites etc etc .
    Não menciono outros oficiais engenheiros antes do capitão Alcides porque não me recordo dos seus nomes .

  4. Fui operador radiotelegrafista no STM/BTM2 de Nampula entre Dezembro de 1970 e Janeiro de 1973. Comecei como operador, num velhinho edifício que era aonde se situava a Central Telegráfica e o Centro Cripto dentro do QG/AV de Nampula. Posteriormente, graças ao empenho, segundo constava na altura, do então Capitão Cruz Fernandes mudamos para uma Central completamente nova situada no nosso Quartel BTM2/STM. Foi uma mudança na altura para para nós operadores radiotelegrafistas da ” RW7″ extremamente positiva quer a nível de instalações quer a nível de condições da trabalho propriamente dito, pois eramos nós e só nós que recebíamos e transmitíamos as msgs “sitrepes” (que vinham de Lisboa com 400 grupos), os” Pedetrans” as msgs Zulus etc etc. trabalho muito trabalho, muita dedicação, muitas noites e muitas horas de sono, que nunca ninguém reconheceu, talvez por que nunca colocaram uns auscultadores durante horas e horas seguidas nos ouvidos muita vezes com QRM’s . E por ser tão violento para os ouvidos, fiquei a ouvir mal.
    Na minha opinião e obviamente por outros motivos que desconheço, também não reconheceram ao nosso Coronel Cruz Fernandes. No entanto nós o seu pessoal, sabíamos perfeitamente que o Coronel (na altura Capitão) Cruz Fernandes, era a ALMA MATER das transmissões em Moçambique.
    Um Alfa Bravo.
    Álvaro Teixeira
    ex-1º cabo Radiotelegrafista do STM

    • Meu Caro Ex-Camarada Álvaro Teixeira, também estive em Nampula no BTM2 / Comp.Trms e no QG/Nampula-Centro de Mensagens, desde Out/70 a Dez/72 e assim, somos do mesmo período. De certeza que nos conhecemos. No Centro de Mensagens / QG havia 3 responsáveis: Furriel Juvandes , Furriel Santos e Eu. Quanto ao comentário publicado, corresponde á verdade. Efectivamente o nosso Coronel Cruz Fernandes era a alma das Transmissões. Um Abraço.
      Alberto Soares
      Ex-1º.Cabo Op.Msgs.

  5. Neste extenso post o coronel Cruz Fernandes relata a sua atuação em Moçambique, a partir do ano de 1970, em que desembarcou em Lourenço Marques.
    Recordo que foi nessa altura criada a Arma de Transmissões que já dispunha de engenheiros eletrotécnicos.
    O post relata o que, em meu entender, constituiu a primeira e indiscutível afirmação da mais valia técnica dos novos engenheiros eletrotécnicos na guerra colonial, que permitiu que o BTm2 tivesse uma atuação brilhante na introdução de significativas melhorias qualitativas nos sistemas de transmissões militares montados em Moçambique.
    Estas melhorias foram significativas e verificaram-se tanto no sistema de transmissões Permanentes, como no de Campanha, na Instrução das Tropas e granjearam um justo prestígio ao BTm2 e ao coronel Cruz Fernandes, o seu impulsionador.
    Nas Transmissões Permanentes foi montado o cabo telefónico auto suportado entre o Centro Emissor e o Centro Recetor em Nampula, praticamente com o pessoal da unidade, o que foi basilar para o funcionamento do sistema. Foram introduzidas melhorias nas terras e foram introduzidos híbridos em substituição do processo artesanal utilizado
    Nas Transmissões de Campanha foi montado o “Vietname Cruz Fernandes” que assegurava , de Nampula, as comunicações rádio, indispensáveis em situações de emergência, entre unidades e as suas sedes por as unidades em operação estarem, por vezes, afastadas dos seus aquartelamentos mas não o suficiente para ultrapassar a “zona de silêncio”, Inevitável em comunicações HF,
    Igualmente foi assegurada uma distribuição adequadas de frequências às redes de campanha das unidades, tendo em conta a ocupação do espetro existente em Moçambique por estações civis, bem como a determinação rigorosa das frequências de ressonância dos cristais dos AN/GRC 9, que variam com a idade, com vista aos rádios poderem funcionar em rede.
    Na Área da Instrução foi montada no BTm2 uma sala didática para o ensino das Transmissões de elevada qualidade, com vista a corresponder à necessidade de cada vez mais pessoal do recrutamento local ,que com o continuar da guerra se foi acentuando..
    Estas e outras realizações levadas a cabo em Moçambique pelo BTm2 deram –lhe um enorme prestígio junto do Comando Chefe graças á forma como correspondeu às inúmeras solicitações que lhe firam feitas
    Ao ler este impressionante documento não posso deixar de expressar ao Cruz Fernandes e a todo o pessoal do BTm as minhas felicitações pela forma como, com sua atuação em Moçambique, souberam dignificarar a Arma, nos seus primeiros tempos de vida.

  6. Curiosa a discrição que o Senhor Coronel Cruz Fernandes faz sobre a determinação da frequência de oscilação de determinado cristal, utilizando um AN/GRC-9. Sabendo nós que o aparelho tinha um duplicador, a frequência de emissão (para qualquer um dos seus seis cristais) seria sempre o duplo da frequência do cristal utilizado e nunca uma leitura directa.
    João Freitas

    • Senhor João Freitas
      Agradeço o comentário e passo a explicar um ponto que me pareceu que lhe ficou obscuro: É verdade o que diz: Porém, ao meter no ANGRC 9 sucessivamanete cristais que indicavam a mesma frequência de ressonância e medisse a frequência de saída do aparelho, muitas vezes encontrava diferenças da mais de três Kcs, o que dificultava ou impedia a ligação entre dois aparelhos cada um deles com o seu cristal com a mesma frequência de ressonância. A experiência para dois cristais foi repetida para todos e foram agrupados de novo não pela frequência de ressonância neles indicados mas pela oscilação real que produziam. O desvio de oscilação dos cristais era igual a metade do desvio indicado pelo ANGRC 9.
      Cumprimentos e agradecido pela intervenção.
      Cruz Fernandes

  7. Amigo Alberto Sousa
    Grato pela sua apreciação. Nós continuamos todos os anos a relembrar esses tempos com os nossoa Almoços das Tansmissões no último sábado de cada Abril.
    Um abraço e obrigado

  8. Li atentamente este artigo e só tenho a dizer uma coisa; PARABÉNS MEU CORONEL CRUZ FERNANDES. Vi imagens de ex-Camaradas e citações de Oficiais que foram do meu tempo no BTM2-Nampula (Comp.Transmissões) e Com.Transmissões/Centro de Mensagens do QG. Em principios de 1971 fiz parte do COFI em Chicoa. Grato pela sua publicação e mais uma vez, PARABÉNS. Eu, ex-1ºCabo Op.Msgs Alberto Soares.

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