A Batalha de Alésia e as Transmissões

Post do MGen Pedroso Lima, recebido por msg:

A batalha de Alésia verificou-se no ano 52 AC, entre as tropas romanas chefiadas por Júlio César e as gauleses comandados por Vercingetorix. Tratou-se de uma vitória importante de Júlio César, que permitiu terminar uma guerra que durava há já 8 anos.

Vercingétorix jette ses armes aux pieds de césarA duração prolongada da guerra verificou-se pois apesar de Júlio César ser um chefe militar de grande competência e dispor de legiões bem organizadas e treinadas não conseguia vencer os gauleses que usaram uma tática de guerrilha, evitando batalhas decisivas e praticando uma política de terra queimada. Além disso os gauleses estavam divididos em tribos. Poucos anos antes da batalha de Alésia, Vercingetorix torna-se o chefe incontestável dos gauleses.

Vercingetorix, no ano de 52 AC muda de tática e, com um exército de 25.000, refugiou-se em Gergóvia, cidade fortificada. Os romanos, com 24.000 homens, atacaram e foram derrotados. Foi a primeira vitória de Vercingetorix sobre Júlio César.

Umas semanas depois, o Exército de 80.000 homens de Vercingetorix refugiou-se em Alésia, fortificação de caraterísticas semelhantes a Gergóvia. Júlio César dispunha de 50.000 homens. A estratégia de Vercingetorix era esmagar os romanos com uma poderosíssima força de socorro.  Esta força reuniu 250.000 gauleses, mas apesar da desproporção de efetivos, os romanos venceram.

Os fatores mais influentes que explicam esta vitória foram:

  • A competência de César, a  disciplina, o treino das suas legiões e a superioridade do seu armamento
  • As obras de fortificação executadas pelos romanos
  • O efeito da fome, sobre os defensores de Alesia

O livro “As Grandes Batalhas da História” edição do “Canal História”  indica ainda (para minha surpresa) a superioridade dos romanos sobre os gauleses em transmissões.

Mas vejamos primeiro as duas lihas de fortificadas feitas pelos romanos em Alésia: a primeira para cercar os gauleses refugiados na cidade fortificada e a segunda para se defenderem do exército de socorro.

alesia 1alesia2Nas figuras acima,  as tropas de Vercingetorix estavam em Alésia, no centro da figura, a primeira linha de fortificações romana  tinha cerca de 15 km de perímetro, a segunda cerca de 20 km.

alesia3Vejamos agora como está apresentado, no livro referido, o papel importante das Transmissões nesta Batalha.

Citando o historiador britânico Mark Corby considera que os galeses teriam possibilidades de derrotar os romanos ou, pelo menos, pô-los em sérias dificuldades, caso Vercingetorix, de Alésia, conseguisse atacar simultaneamente com as forças de socorro.

Isso não foi possível, porque as duas forças “estavam demasiado longe para gritar e, aparentemente, não tinham sistemas de sinalização”.

Em relação às forças de Júlio César o mesmo autor explica que “os romanos eram uns artistas na arte de comunicação das suas forças”, tanto que foram capazes de comunicar com todos os acampamentos do cerco”. Dispunham de um sistema de sinalização eficiente, “através de heliógrafos”. Provavelmente usariam objetos de metal polidos, para refletir a luz solar. Acrescenta que o sistema enviava mensagens simples, basicamente para assinalar que os gauleses estavam a chegar.

Porém citando, desta vez, o historiador inglês Tom Holland afirma-se que foi feito um ataque simultâneo das duas forças gaulesas para aproveitar um ponto fraco das muralhas romanas. Júlio César estava no meio das duas forças e, portanto, “aparentemente encurralado”. No entanto “a eficiência das comunicações romanas” teria permitido a Júlio César transferir os seus soldados para onde era necessário, conseguindo contra-atacar Vercengetorix e vencer.

WIRELESS SET 38 MKII / Posto 38 (P. 38)

Post do nosso leitor e colaborador Sr João Freitas, recebido por msg:

De origem inglesa, o Wireless Set 38 Mk. II adota em Portugal a designação de “P.38” (Posto 38). Inicialmente concebido como um radio rec/trm para a infantaria, encontrou posteriormente, “abrigo” dentro de alguns veículos blindados com a mesma origem (geralmente acoplado a um Wireless Set 19/P-19/Posto 19, o mesmo aconteceu com o Wireless Set 88, sobre o qual falaremos mais tarde.

O seu desenho e construção muito simples e um certo ar de “feito-à-pressa”, traduzem bem a necessidade que, em tempo de guerra, o Reino Unido teve de rapidamente, mas com alguma qualidade para o fim em vista, produzir aparelhos específicos. Relembra-se aqui que este recetor/transmissor, como o seu nome indica, pertence à família de aparelhos “WIRELESS SET”, do qual Portugal recebeu vários modelos, quase todos de boa memória.

O “Posto-38” completo vendo-se os respetivos auscultadores, laringofones e a caixa de ligação à pilha. (foto do autor)

O “Posto-38” completo vendo-se os respetivos auscultadores, laringofones e a caixa de ligação à pilha. (foto do autor)

Esse ar pouco “abonatório” é realçado por uma caixa exterior em chapa de ferro pré-cortada, dobrada e soldada por pontos. O seu pequeno tamanho levava a que uma das válvulas de emissão funcionasse tão perto do painel frontal, que o seu calor o queimaria numa pequena zona após algumas horas de trabalho. Apesar destas curiosidades cumpriu muitíssimo bem o fim para o qual estava concebido.

Uma das particularidades deste aparelho era, para alem do seu pequeno volume, a forma de transporte muito pouco usual para a época em que foi concebido (1942), consistindo em o seu simples arnês estar preparado para ser fixado aos suspensórios do sistema “Mills” britânico (fabricado em Portugal sob a designação Mod. 1943/44), ficando o radio ao peito do utilizador no seu lado esquerdo (substituindo a cartucheira). Esta inovação, somente cinquenta/sessenta anos depois, se verifica novamente em alguns rádios táticos de última geração. Também de certa forma inovador era a utilização de um laringofone em substituição do clássico microfone, o que deixava as mãos livres ao operador. Ao ombro era levado um saco com os elementos da antena. A grande pilha era transportada às costas numa mochila.

O sistema de transporte referido (transporte ao peito), também foi utilizado num outro aparelho extremamente curioso, contemporâneo e da mesma “família” Wireless Set e que passou também por Portugal, falamos do Wireless Set 58/Posto 58 ou P-58. Dele falaremos mais tarde.

Usando o sistema de sintonia corrida, o WS 38 funcionava, apenas, em fonia na estreita gama dos 7mc/s, aos 9mc/s. Era um aparelho extremamente simples e de uma robustez a toda a prova, possuindo um alcance de aproximadamente 3 km.

A grande pilha de alimentação. Digno de nota a sempre presente marca aposta em todo o material de guerra oriundo da Comunidade Britânica “W/seta/D”. O “W” e o “D” são as iniciais de “War Department”. A seta, designada em inglês de “Broad Arrow”, por vezes também é chamada de “Crow Feet”, ou “Pheon” e é aplicada desde 1870 como símbolo de todo o material pertencente à coroa. Na altura, dependendo da origem (ex. Canadá, Austrália, Índia etc.), a seta teria outras conjugações de letras indicadoras da origem do material (foto do autor)

A grande pilha de alimentação. Digno de nota a sempre presente marca aposta em todo o material de guerra oriundo da Comunidade Britânica “W/seta/D”. O “W” e o “D” são as iniciais de “War Department”. A seta, designada em inglês de “Broad Arrow”, por vezes também é chamada de “Crow Feet”, ou “Pheon” e é aplicada desde 1870 como símbolo de todo o material pertencente à coroa. Dependendo da origem (Canadá, Austrália, Índia etc.), a seta teria outras conjugações de letras indicadoras da origem do material (foto do autor)

A alimentação era realizada através de uma pilha com as tensões de 3 e 150v com duração para cerca de 5 horas. De uma caixa de junção que ligava o radio á referida pilha, partiam também os cabos dos auscultadores e do laringofone. No seu painel frontal tinha apenas dois botões, um de três posições Desligado/Recetor/Emissor e outro para sintonia com possibilidade de bloqueamento. Um sistema rotativo dava hipótese de encaixe para uma das duas antenas disponíveis (1,20m ou 3,60m), não tinha botão de volume.

Um “WS-38” que passou pela Legião Portuguesa (Defesa Civil do Território). Ao fundo observa-se o saco de transporte das duas antenas e a mochila para a pilha e acessórios. Curioso o símbolo esmaltado afixado no rádio com as letras “DCT”, de desenho muito moderno para a altura (anos sessenta?), comparar com o modelo anterior, clássico, aplicado no capacete. (foto do autor)

Um “WS-38” que passou pela Legião Portuguesa (Defesa Civil do Território). Ao fundo observa-se o saco de transporte das duas antenas e a mochila para a pilha e acessórios. Curioso o símbolo esmaltado afixado no rádio com as letras “DCT”, de desenho muito moderno para a altura (anos sessenta?), comparar com o modelo anterior, clássico, aplicado no capacete. (foto do autor)

Pensamos, do muito que se tem lido em documentação geralmente dispersa, que o WS38 não tenha vindo em grande número para Portugal, tendo começado a chegar em 1947/48/49(?), infelizmente nada mais sabemos sobre o “o seu tempo de serviço”. Extrapolando de factos diversos julgamos que apenas terá visto os primeiros anos da década de sessenta, pois o aparecimento de novos modelos, de técnica mais apurada obrigou, a este antigo herói da Segunda Guerra, a passar á reforma que tardava. Sabemos que em fim de vida vem a equipar, por cedência do exército, a Legião Portuguesa (Defesa Civil do Território, pintados de um verde mais claro) e a Mocidade Portuguesa, tendo nesta ultima alguma utilidade na instrução de graduados.

Em vários anúncios de revistas (*) inglesas de 1959, um conjunto completo e novo do WS38 vendia-se, livremente, por pouco mais de uma libra!

Portugal também teve o Wireless Set 38 Mk. III, como é um modelo evolutivo totalmente diferente, trataremos dele posteriormente, não podendo juntar os dois modelos num mesmo artigo.

(*) ex. Wireless World Electronics, de Maio de1959

Uma visita ao Rijksmuseum

Instalado desde 1885 num belíssimo edificio propositadamente construído para o efeito em Amsterdão, o Rijks é o principal museu nacional holandês, dedicado à história e às artes, que visitei recentemente, e onde se podem encontrar obras extraordinárias da pintura mundial, como por exemplo A ronda noturna, do Rembrandt, ou A leiteira, do Vermeer, ou o Escritor afiando a pena, do Jan Ekels, ou A paisagem de inverno, do Hendrick Avercamp, ou ainda A companhia das milícias Meagre, do Frans Hals, entre muitos, muitos outros, e apenas para mencionar pintura e obras que me são caras.

IMG_0566Logo no R/C, e numa das primeiras salas, dedicada a apresentar inúmeros e belíssimos modelos de navios e diversas peças náuticas da época áurea holandesa, é possível encontrar, numa das vitrines, alguns modelos de telégrafos ópticos usados para comunicar de e para os navios, embora sem qualquer informação complementar. Contudo, dada a curiosidade, a seguir se apresentam alguns desses modelos, incluindo uma tabela de 5 símbolos usada para representar o alfabeto por meio de um sistema de portinholas:

IMG_0565IMG_0560IMG_0563IMG_0562Finalmente, não vou deixar passar sem reparo a ultima frase de um texto afixado numa das paredes dessa sala (0.13). Não lhes chegou a perseguição cerrada aos nossos interesses comerciais e estratégicos que nos fizeram à época, as pilhagens, os ataques, em Africa, na Asia, na Oceania, na América do Sul, em terra e no mar, agora até o Cabo da Boa Esperança tem origem holandesa?
Kaap de Goede Hoop? Chamar Traços da presença holandesa a uma mera tradução?
Situado quase no extremo sul de África, foi dobrado pela primeira vez pelo navegador português Bartolomeu Dias, em 1487, que o batizou na altura de Cabo das Tormentas. A designação “Cabo da Boa Esperança”, que se vulgarizou e internacionalizou mais tarde, e que alude às expetativas de chegar às riquezas do Oriente contornando o extremo sul de África, é atribuída pelo cronista João de Barros a D. João II. Segundo o cronista, “Partidos dali, houveram vista daquele grande e notável cabo, ao qual por causa dos perigos e tormentas em o dobrar lhe puseram o nome de Tormentoso, mas el-rei D. João II lhe chamou Cabo da Boa Esperança, por aquilo que prometia para o descobrimento da Índia tão desejada.”

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Os SCR-399 e SCR-499 e a história de três cartas!

Post do nosso leitor e colaborador sr João Freitas, recebido por msg:

Os rádios militares não aparecem apenas na sua forma singela para serem aplicados nas mais diversas funções, por vezes vêm como o caracol, com a casa ás costas. É o caso dos conjuntos transmissores/receptores equipados de um “shelter” (abrigo), fazendo o seu conjunto um  “SCR” (Set Complet Radio), ou  um posterior “AN/???”.

Enquanto os britânicos optam, nos anos trinta e quarenta, por equipar de fábrica diversos veículos com cabinas para rádio fixas ao chassis e fazendo parte integrante do veículo, os EUA preferem desenvolver uma série de abrigos que encaixariam nos normalizados compartimentos de carga dos seus camiões, muito especialmente na GMC de 2ton. 1/2. Também no recheio destes “abrigos” as tendências nestes países eram diferentes. Enquanto a Inglaterra equipa o seu interior conforme a necessidade, os EUA estabelece conjuntos fixos e padronizados sob as referidas designações SCR e AN. Teremos de ter em mente, que estes abrigos americanos de que hoje falamos serviram a diversas conjugações internas fixas de material de comunicações, e a inevitáveis alterações ao sabor das necessidades.

Referimo-nos apenas a estes dois países porque neste momento, e na medida do nosso conhecimento os exemplares recebidos por Portugal, tiveram neles a sua origem. Não nos podemos esquecer de que durante o final dos anos sessenta, princípio de setenta foi desenvolvido um abrigo rádio nacional. sobre ele estamos a organizar um futuro artigo, assim como desenvolveremos outros textos sobre este mesmo tema.

O conjunto SCR-399 e o seu Shelter montado numa GMC

O conjunto SCR-399 e o seu Shelter montado numa GMC

Pormenor da retaguarda de dois SCR-399

Pormenor da retaguarda de dois SCR-399

Portugal ao longo dos anos quarenta e cinquenta recebe diversos conjuntos de origem americana, fabricados durante e após a Segunda Guerra Mundial com a designação “SCR-399” e “SCR-499”.

Shelter desmontado e reboque do gerador

Shelter desmontado e reboque do gerador

Tendo a sua génese no SCR-299(*), ambos compreendem o mesmo grupo de rádios e acessórios, a única diferença entre eles reside no facto de o SCR-399 fazer parte de um “shelter” para colocação sobre uma GMC ou similar, e uma unidade geradora rebocável. O SCR-499, desprovido destes dois elementos, estava destinado apenas a uma utilização fixa, estando prevista a sua ligação á rede eléctrica geral.

Por diversas vezes, no estrangeiro, tivemos a possibilidade de entrar em “casinhotos” destes totalmente recuperados por particulares e em estado de pleno funcionamento. É sem sombra de dúvida, para quem gosta do assunto uma experiência extraordinária. O cheiro, a luminosidade, os aparelhos maravilhosos que compõem o conjunto, em suma o ambiente causa-nos uma impressão indelével. Naquele peculiar ambiente somos facilmente levados pela imaginação e pela história que conhecemos.

Interior visto da porta, podendo-se observar a disposição interna. Recetores do lado esquerdo e transmissor ao fundo, armário do lado direito e banco central

Interior visto da porta, podendo-se observar a disposição interna.
Recetores do lado esquerdo e transmissor ao fundo, armário do lado direito e banco central

É extremamente complexo enumerar todos os componentes destes SCR, por esse motivo apenas relacionaremos os elementos principais. Assim ao entrarmos no abrigo HO-17A, tínhamos ao lado esquerdo dois armários/secretárias em madeira com as unidades receptoras, BC-312 e BC-342, um amplificador de modulação BC-614, um frequêncimetro SCR-211, e telefones EE-8. A parede de fundo no abrigo, era quase toda ocupada pelo enorme transmissor BC-610 e pelo seu aparelho de sintonia de antena BC-939. Do lado direito encontrávamos um armário para arrumação de diversos componentes imprescindíveis ao funcionamento da unidade e ao centro uma fileira de bancos, servindo também de baús para guardar uma imensidade de cabos, antenas e demais acessórios. (**)

Pormenor dos recetores, vendo-se ao fundo o transmissor

Pormenor dos recetores, vendo-se ao fundo o transmissor

Pormenor do banco central e armário que é colocado no lado direito

Pormenor do banco central e armário que é colocado no lado direito

Equipados dessa maneira, estes dois conjuntos transmitiam e recebiam em amplitude modulada, numa larga gama de frequências compreendida sensivelmente entre os 2.000 kc/s e os 18.000 kc/s, tendo ainda a possibilidade de comunicação por cabo telefónico.

Como dissemos, no caso do SCR-399 encontramos ainda um reboque K-52, equipado com um gerador PE-95E. Neste momento convém relembrar, a diferença entre os SCR-399 e 499, reside no facto do 499 não possuir nem o abrigo HO-17A, nem o conjunto reboque/gerador, mantendo todos os outros elementos constituintes do SCR-399, incluindo os armários e os bancos que se encontravam dentro do abrigo, e que continham as unidades receptoras e seus mais directos acessórios.

Durante a sua permanência em Portugal os conjuntos SCR-399 foram alterados, com o passar do tempo e conforme as necessidades, retirando-lhes elementos da composição original e adicionando outros aparelhos de comunicações mais modernos. Também os diversos elementos dos SCR-499 dificilmente se mantiveram unidos na sua forma original, sendo aplicados individualmente conforme fosse julgado útil. Não conseguimos saber quantos conjuntos destes teremos recebido, mas pensamos que não terão sido mais de dez unidades.

Durante muitos anos um destes “contendores” históricos serviu de abrigo aos trabalhadores do jardim frontal à residência do Presidente da República, em Belém. Aí guardavam pás, picaretas, regadores e mangueiras. Muito podre, apenas a tela de alumínio e alcatrão com que tinha sido coberto diversas vezes o mantinha de pé, no entanto ainda eram visíveis um dos suportes de antena e o quadro distribuidor de eletricidade originais.

Notas :

(*) Desconhecemos se o conjunto SCR-299 esteve em utilização em Portugal, nunca tendo encontrado referências sobre ele. Este conjunto era inicialmente montado em Dodge K-51, ou em Shelters similares ao HO-17ª.

(**) Em futuros artigos abordaremos individualmente a extensa série de receptores BC-312, 314 etc.

A história de três cartas

Quando acabou o depósito de Beirolas, para dar lugar à Expo, e a maior parte do nosso insubstituível património em veículos militares foi parar a diversos países da Europa ao preço de ferro velho (*). O  que ficou por cá foi objecto da nossa atenção, passando nós dezenas de fins-de-semana no Carregado e em Vila Nova de Poiares perscrutando o pouco que por cá ficou e que em breve veria o calor do maçarico.

Num destes shelters HO-17A, ao remexer nas suas entranhas, deparámos com uns papéis escondidos numa armação de uma gaveta. A nossa curiosidade logo lhes deitou a mão, e qual não foi o nosso espanto ao depararmos com duas cartas enviadas ao sargento Bill Parr, por um seu irmão (capelão militar) e por uma sua tia, para a frente de combate na Europa, no Natal de 1944, e uma terceira escrita por ele, mas que nunca foi enviada. Nesta carta ele descreve com a devida cautela a recentemente travada batalha do Bulge (Bélgica). As duas cartas recebidas, antes de lhe terem sido entregues, tinham sido abertas e carimbadas pelos serviços de segurança militar.

Esta descoberta deixou-nos emocionados. Logo na nossa mente visualizamos todo o percurso da peça onde estávamos e das cartas perdidas no seu interior. Após a sua manufactura em 1943 nos EUA, tinha vindo para a Europa, onde interveio nos combates finais da Segunda Guerra (Natal de 1944), logo a seguir terá recolhido a um dos diversos parques de excedentes (provavelmente em França ou Alemanha) onde foi recuperada para posteriormente ser entregue a um qualquer pais da recente NATO. Já em mãos portuguesas, quem sabe se voltou á Alemanha em exercícios no âmbito dessa mesma organização, ou foi até África? Apenas sabíamos que de concreto ele estava ali pronto para o camartelo.

Apesar de diversos contactos com a adida militar da Embaixada dos EUA, e dos seus interessados esforços, foi impossível saber novidades do Sargento Bill Parr do “1065 Signal Corps Service Grp” (do qual tínhamos o nº de matricula), nem dos seus familiares em Decartur, no estado da Georgia (USA), obtendo apenas a informação de que aquela morada era atualmente uma pequena empresa de pneus, sem qualquer relação com os nomes apontados.

Com a chegada da Internet, e em contactos com diversas famílias “Parr” nos Estados Unidos, somos informados de que este apelido é maioritariamente de origem canadiana! De facto, a sorte e as novas tecnologias, levaram-nos a encontrar um seu familiar (sobrinho), que se prestou a servir de intermediário. O nosso amigo Bill, tinha sido um dos muitos canadianos com família nos EUA a combater durante a Segunda Guerra Mundial no exército americano.

Para finalizar bem este nosso artigo, e graças á Internet, acrescentamos que até 2003 o sargento Bill Parr ainda estava de saúde, com os seus mais de noventa anos, vive/vivia no Canadá, onde nasceu, e tem ainda bem presente na memória o “seu” shelter de radio, tendo ficado de lágrima ao canto do olho ao ler as suas cartas de 1944, já há muito tempo esquecidas. Em reconhecimento do nosso contacto, enviou-nos fotografias de alguns dos familiares identificados nas três cartas. Após cinquenta anos, a carta tinha sido entregue!

(Resumo de um artigo, de nossa autoria, publicado, inicialmente, na revista “QSP”.)

João Freitas

(*) O material blindado e outro, vendido por terceiros a França, Inglaterra, e Bélgica tem sido devidamente restaurado por particulares e pode ser admirado em várias concentrações de veículos militares por toda a Europa.